25.1.07

Eu sou filho do caos
e ao caos retornarei
sereno, imperturbável
como uma maçã
que se entrega aos vermes.
"escrever liberta"
disse o anônimo
ao declarar
em praça pública
a ebulição da escritura.

16.1.07

Sonhou que estava num lugar muito, muito escuro: ainda que ensolarado. Vigorava um complô: os poderosos do lugar mantinham populações inteiras subjugadas por meio de seus sentimentos. Estes eram mantidos num grau próximo de zero; suas aspirações reduziam-se a ter coisas, a parecerem importantes e a ralar seus respectivos genitais uns nos outros. E nem se podia dizê-los vítimas dos poderosos, porque, afinal de contas, queriam aquilo: aquilo e nada mais.

Acordou em meio a uma grande agitação, suando frio. Mas tudo não passara de um sonho; nada além de um sonho ruim. Que alívio.

15.1.07

elo

12.1.07

co2
arara

11.1.07

"Acredita-se ver dois viajantes à margem de uma torrente furiosa que faz as pedras rolarem: um a atravessa com um salto ligeiro, e utiliza as pedras para tomar impulso, mesmo se elas afundam bruscamente atrás de si; o outro está desamparado, lhe é preciso primeiramente construir pilares que sustentarão seu passo pesado e prudente; por vezes isso se torna impossível, e nem Deus nem a torrente vêm em sua ajuda."

NIETZSCHE: La naissance de la philosophie à l'époque de la tragédie grecque, Gallimard, Paris, 1981, p. 35/36. Nesse texto sobre Tales de Mileto, Nietzsche opõe o "divino pressentimento" que caracterizaria a filosofia pré-socrática à "razão calculadora" que emergiu posteriormente.

10.1.07

sem escolha

Se alguém passou boa parte da vida tentando pensar, é provável que um dia se depare com a necessidade de dar as costas aos problemas gerados pelos homens: ainda que sejam verdadeiros problemas. Um pensador não precisa - e eu diria mesmo: não deve - preocupar-se com os problemas que chegam a ser manchete nos jornais. Desses problemas os homens mais esclarecidos podem muito bem dar conta. Mas a tarefa do pensador é outra: estabelecer problemas que nem mesmo os homens mais esclarecidos chegam a vislumbrar, pois também eles estão atados ao mundo das realidades orgânicas e simbólicas, ou seja, das preocupações sexuais e digestivas e das significações dominantes. Não, o pensador não é um moralista; ele não condena o sexo, a comida, o sono e nem mesmo a teia de bobagens da qual depende a sobrevivência do homem médio. Ele também faz sexo, e come, e dorme, e sabe até conceder aos homens a pitada de reconhecimento de que eles tanto precisam para se sentirem integrados à realidade dominante. Só que ele enxerga além; ele foi, por assim dizer, tocado pelo espírito, ou seja, por algo que está para além do orgânico e do simbólico, do físico e do lógico. Não, o pensador não é um homem religioso; quando ele menciona o espírito, ele não está falando de algum mistério insondável ou de algum ser supremo do qual ele seria um porta-voz privilegiado, mas da realidade mesma como invenção e autoprodução, realidade essa que os homens não enxergam simplesmente porque estão fascinados pelo que já existe.

Evidentemente, o pensador torce pelos homens mais esclarecidos, e mais do que isso, poderá lhes dar sua contribuição em momentos que ele entenda como decisivos; mas sua tarefa é outra. Ele quer inventar ou reinventar os problemas que serão capazes de produzir no homem uma outra percepção e uma outra vivência da realidade. Ele quer, literalmente, inventar uma outra realidade. O pensador, geralmente, usa a máscara do filósofo; e essa é a máscara que mais lhe convém, pois ele não quer, como o artista, simplesmente criar; sua ambição é muito maior: ele quer criar criadores. Nesse sentido, também ele é um artista, mas a matéria de sua criação é a própria humanidade. Eis aí uma tarefa que os homens mais esclarecidos, e mesmo os artistas, acharão desmesurada e pretensiosa; e todos eles, necessariamente, se sentirão compelidos a destilar seu veneno sobre tão excêntrica figura. E o pensador, por sua vez, apesar do amor supremo que sente pela vida e pelos homens, será obrigado a dar-lhes as costas e prosseguir em sua tarefa insana e solitária, tendo que admitir, sem orgulho de qualquer espécie e quase a contragosto, que "nous n'avons plus le choix qu'entre des vies médiocres et des penseurs fous." (*)

(*) Deleuze: Nietzsche, PUF, Paris, 2006 (1965), p. 18.

8.1.07

Os homens são condescendentes e nos olham com um mal disfarçado sentimento de superioridade. Logo eles, que não sabem o que dizem, não sabem o que fazem e não sabem pelo que irão morrer. Logo eles, que entrariam em desespero se tivessem que enfrentar - de fato - a solidão.

De tempos em tempos o louco faz suas apostas, ou antes afirma os acasos que se lhe apresentam, e convive com alguns homens. E estes não sabem, mas o louco os observa enquanto o próprio acaso os submete a sucessivas provas; e tampouco entendem quando o louco lhes dá as costas, preferindo a companhia de outros loucos solitários desta ou de outras eras.
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