28.5.09

— E o casamento?
— Ele é ateu, mãe.
— Ah, sim... Gente que estuda muito é assim mesmo. Problema, não vejo. Amigado com fé casado é!

A avó foi prudentemente poupada das convicções do noivo. A tia torceu o nariz. Noelma, a empregada do pai, perguntou onde ia ser a cerimônia.

— Não vai ter cerimônia, Nonô. Ele é ateu.
Nonô, muito prática, respondeu:
— Ué! Casa na igreja dele!

19.5.09

a cultura e a morte (fim)

Na verdade não é o fim, mas o começo, ou ainda o início do começo. O ensaio terá provavelmente esse mesmo nome, a cultura e a morte, mas está sendo escrito offline e bem devagar.

O texto que se segue é o prefácio - a princípio já sob sua forma definitiva. Ele entra de sola e promete muito; nada, no entanto, que eu não possa cumprir. Foram as minhas pesquisas sobre o risco que (não me perguntem como) me levaram ao tema da cultura, e desse modo é possível dizer que a coisa toda já está fermentando há redondos dez anos. Por falar nisso, que instituição é essa na qual é impossível ficar dez anos remoendo um tema? Além de pensar, ainda temos que pensar rápido? Esse tipo de produtividade me parece uma coisa boa para automóveis, celulares e todas essas coisinhas produzidas nas linhas de montagem. É bastante provável que hoje eu tivesse vergonha de voltar à Academia.

Lembrem-se, este é apenas o prefácio. Entrar de sola parece-me uma boa estratégia, algo como pegar o leitor pelo gasganete, mas é evidente que depois o tom será outro. O pensamento é feito de desacelerações e acelerações, suspensões e precipitações. E agora chega, senão eu vou acabar escrevendo o prefácio do prefácio.


A cultura e a morte (prefácio)

Não é preciso ser genial para perceber que, apesar de todas as conquistas realizadas pelo homem, algo de essencial perdeu-se pelo caminho. Reunimos todas as condições necessárias para fazer da vida algo de intenso, e mesmo sublime, porém tudo o que conseguimos foi fazer dela algo pequeno, miserável e sem sentido. Ao invés de nos esforçarmos para resolver nossos verdadeiros problemas, não cessamos de sufocar a nós mesmos e aos demais com falsos problemas de toda ordem. Ao invés de viver e deixar viver, ou melhor ainda, ao invés de viver e de intensificar a vida ao nosso redor, dedicamo-nos com todas as nossas forças a limitar as nossas próprias possibilidades e as de outrem. Poderíamos viver como deuses, porém somos os mais sofredores dos animais.

O que fizemos (e o que deixamos de fazer) para chegar a esse ponto? Os diagnósticos se multiplicam, e com eles os profetas de uma nova ordem política, moral ou religiosa; porém toda novidade, aqui, já nasceu velha demais, e parece não haver alternativa entre mergulhar no cinismo ou nos apegar a esses restos de passado como náufragos abraçados a velhas tábuas. Estamos tão desorientados que nem mesmo sabemos por onde começar. E não se trata de falta de informação ou de conhecimento; pois ainda que nossa ignorância seja imensa, nunca a informação e o próprio conhecimento foram tão fartos e minuciosos como em nossa época. Mesmo assim, temos uma enorme dificuldade para enxergar o óbvio. Tal como o ar que respiramos, o óbvio nos cerca por todos os lados e nos permite viver, porém não nos damos conta de sua existência a não ser quando ele nos falta. A diferença é que sabemos imediatamente quando o ar nos falta, ao passo que não temos a menor pista acerca do que nos falta e cuja ausência sufoca nossa vida nas sociedades modernas.

Assim, este ensaio é dedicado ao óbvio, ou pelo menos ao óbvio que diz respeito ao fenômeno humano e à vida em sociedade. Sua ambição não é pequena; ele se quer capaz, à força de mostrar o óbvio, de suscitar novas possibilidades de vida. No entanto, não há nele nenhuma panacéia: nenhuma fórmula mágica, nenhuma palavra de ordem (ou de consolo), nenhuma sabedoria transcendental, nenhuma utopia, nenhuma doutrina moral ou religiosa, nenhuma nova e revolucionária proposta de organização social. E é bom que seja assim, pois já tivemos todas essas coisas em número suficiente, porém nenhuma delas - para dizer o mínimo - jamais nos impediu de mutilar e amesquinhar a vida. Mas saber de antemão que este ensaio não se prestará a ser brandido nas esquinas por pregadores de qualquer espécie é, com efeito, minha única satisfação ao escrevê-lo; de resto, o que eu sinto é vergonha. Dizer o óbvio é sempre, em alguma medida, vergonhoso. E se me for permitido sonhar algum futuro para este livro, meu desejo é que ele produza seus efeitos e desapareça; e que os homens do futuro, caso venham a tomar conhecimento dele, se perguntem como pudemos chegar a esse ponto, ao ponto de esquecer o óbvio e de forçar alguém a dizê-lo com todas as letras.

4.5.09

intop
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