15.3.18

Um frango, dois frangos, nenhuma pena

Ontem, aos dois minutos de jogo, Messi meteu uma bola entre as pernas do goleiro e todos os comentaristas esportivos entoaram o mesmo discurso que reverbera desde o primeiro grande chute cósmico que gerou o universo: houve uma falha, um frango; goleiros de alto nível não podem cometer erros desse gênero.

Se você nunca teve de aceitar argumentos do tipo "é assim porque é assim", você nunca foi criança; mas se você nunca questionou os consensos herdados, você nunca passou da infância. Digo isto porque o frango, ou pelo menos esse frango clássico no qual a bola passa no vão das pernas do goleiro, é um desses consensos sem nexo.

E, no entanto, é impossível exagerar sua importância na linguagem do futebol brasileiro. Todas as bolas fáceis com que goleiros de todo o mundo fazem a alegria das torcidas adversárias têm por arquétipo a bola vazada por entre as pernas (e dela recebem seu nome); mas ainda que a bola entre as pernas dê seu nome a todo um gênero bastante vasto, o frango par excellence é a bola tomada no vão. É por entre as pernas que o frango insubmisso, avesso à panela, foge quando tentam capturá-lo, e é por entre as pernas que o gol se torna frango.

Mas esperem um momento. Se um frango, bicho de cérebro minúsculo, corre para o vão entre as pernas de seu algoz e (quase invariavelmente) consegue fugir, não seria porque esse espaço é, de toda eternidade, um lugar privilegiado? Não seria ele o ponto cego dos goleiros? Talvez inventem, um dia, um goleiro com braços nas pernas; enquanto esse dia não chega, porém, não seria pedir demais a um goleiro que consiga fechar as pernas (que o sustentam) com mais velocidade do que a bola chutada por seu adversário?

Assim, a não ser que a bola seja lenta (traço característico, aliás, de boa parte dos frangos), a bola tomada por entre as pernas (que, por ironia, é o frango por excelência) não é, afinal de contas, um... frango. Enfiar a bola naquele espaço exíguo requer muita sorte ou muita habilidade, e já chegou a hora de darmos os devidos créditos aos atacantes ao invés de censurarmos os goleiros.

Ontem Messi fez dois gols. O primeiro, por entre as pernas do goleiro.

O segundo também.

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