19.8.14

Zuenir e a Wikipédia

Zuenir Ventura escreveu n'O Globo, no dia 13 de agosto, um texto sobre a edição maliciosa de artigos da Wikipédia a partir de computadores que utilizavam a rede do Palácio do Planalto. Estas são as palavras finais do artigo:
Para quem é do tempo em que dicionários como o “Aurélio” (Buarque de Holanda Ferreira) e o “Houaiss” (de Antônio) eram feitos por equipes especializadas que pesquisavam, checavam, comparavam palavras e verbetes, paciente e criteriosamente, durante anos de trabalho conjunto, orientado e supervisionado por dois mestres da língua, como acreditar numa obra em que qualquer um pode dar um pitaco, “democraticamente”, como se não houvesse uma hierarquia no saber, como se umas pessoas não fossem mais credenciadas do que outras para as tarefas do conhecimento?
É um texto curioso. Em primeiro lugar, a Wikipédia não deve ser comparada a dicionários. A Wikipédia não é um dicionário, mas uma enciclopédia.

Em segundo lugar, sim, a Wikipédia pode ser editada por "qualquer um"; mas isso não autoriza ninguém a dizer que quem contribui para editar um artigo da Wikipédia é necessariamente ignorante a respeito do tema em pauta. Afinal, aquilo que vale para a Wikipédia também vale para outros tipos de obra. Qualquer um pode escrever um livro; basta encontrar quem o publique. Qualquer um pode escrever em um jornal; basta encontrar quem lhe dê o emprego. A Wikipédia não funciona de maneira tão diferente assim. Quem conhece a Wikipédia sabe que ali existem regras e todo um trabalho editorial. Não é casa da Mãe Joana.

Em terceiro lugar, e este é o ponto que realmente importa, o texto de Zuenir Ventura é de uma ambigüidade realmente admirável. Ele estabelece a questão supostamente central de seu artigo com estas palavras:
O que é pior, gravar conversas telefônicas para bisbilhotar o que se diz ou interferir clandestinamente em textos de uma autoproclamada enciclopédia, adulterando-os e deturpando-os com falsas informações para difamar a reputação de jornalistas, como fizeram com Míriam Leitão e Carlos Alberto Sardenberg, a partir de computador que se utiliza da rede do Palácio do Planalto?
Só que ele não responde essa questão (que, convenhamos, não chega a ser exatamente uma boa questão, posto que compara duas práticas inteiramente distintas) de maneira inequívoca. Podemos, é claro, tomar o próprio título do artigo (Pior do que bisbilhotar) como uma resposta. Mas ainda que tomemos o título do artigo como resposta (fornecida, aliás, sem nenhuma argumentação), trata-se de uma resposta que as palavras finais do artigo de Zuenir relativizam e, no limite, contradizem.

Parece-me que o texto de Zuenir pode ser resumido da seguinte maneira:

(1) A edição maliciosa de artigos da Wikipédia seria "pior" do que espionagem.
(2) A Wikipédia pode ser editada por "qualquer um" e, portanto, não é confiável.
(3) Logo, o verdadeiro problema consiste no crédito que se possa dar aos artigos da Wikipédia, e não no fato de que alguém os tenha editado, com fins escusos, a partir de um computador conectado ao centro do poder executivo federal.

Para terminar com uma comparação contestável, mas não inteiramente fora de propósito, é mais ou menos como se uma pessoa fosse flagrada roubando uma lojinha de R$1,99 e alguém dissesse o seguinte: furtar é pior do que espionar; mas ninguém deveria mesmo comprar na tal lojinha, pois todos os produtos vendidos ali são de qualidade duvidosa.

Zuenir Ventura se tornará, muito em breve, um imortal da Academia Brasileira de Letras.

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