No entanto, mesmo quem detesta o autoritarismo é forçado a consentir com o exercício (em diversos níveis) da autoridade; e até os punks deveriam admitir que adoram a polícia quando esta intervém para impedir que sejam assassinados pelos membros de outras tribos (nada) urbanas. Como diria Spinoza, quem é incapaz de compreender precisa obedecer. Sem o uso da autoridade (da coerção), nenhum crime seria punido e pouquíssimas crianças fariam o dever de casa (se é que chegariam a freqüentar uma escola).
Todo o problema, portanto, reside em usar com sabedoria aquela imprescindível dose de autoridade sem a qual seria impossível administrar um campo social.
E é nesse ponto que nós, brasileiros, falhamos sistematicamente. Somos talvez o único povo do mundo (sim, esta frase é um puro golpe de retórica, mas periga conter alguma verdade) capaz de combinar, a um só tempo, o autoritarismo mais jeca e a mais lassa falta de autoridade.
Deixarei que o leitor decida por si mesmo os casos particulares de "autoritarismo jeca" e de "falta de autoridade" que seriam capazes de ilustrar a frase acima.
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Acabou. Esta postagem acabou. As coisas que poderão ser lidas a seguir são apenas anotações à margem, feitas a lápis, em torno do que acabou de ser dito.
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Vivemos numa democracia e uma simples classificação indicativa seria suficiente para calar qualquer polêmica relativa à exposição "Queermuseu". Essa será, por sinal, a linha de defesa da HBO no episódio da exibição diurna de "A festa da salsicha": a de que a classificação etária foi devidamente estabelecida. Os direitos dos artistas terminam onde começam os direitos dos pais e vice-versa. Nem os artistas têm o direito de propor "qualquer obra" para "qualquer faixa etária", nem os pais têm o direito de impor censura à obra de qualquer artista – desde que este não faça uma apologia ao nazismo, não é mesmo? Isso não é difícil de entender. Infelizmente, o autoritarismo, nestas bandas, é a coisa mais bem distribuída do mundo.
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E por falar em nazismo... Chega a ser cômico: todo mundo resolveu mencionar a exposição de "arte degenerada", realizada sob o regime comandado por Hitler, mas ninguém, ninguém mesmo, parece lembrar-se (ou tem coragem de lembrar-se) das perseguições realizadas pelo realismo socialista. Um bom antídoto ao esquecimento é o sóbrio e comovente Afterimage, testamento cinematográfico do diretor polonês Andrzej Wajda.
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Se a rede de TV mais poderosa do país pode homenagear traficantes em horário nobre, por que estudantes do Pedro II são passíveis de punição por se referirem ao tema na escola?
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Eu bem que gostaria de saber se aqueles que são tão ferrenhamente contra a proibição da publicidade de cerveja não seriam, por acaso, os mesmos que são a favor da proibição da maconha. Pois a cultura dos estados alterados de consciência é uma só, meus amores.
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Diante da intensificação dos violentos ataques e ameaças às religiões afro-brasileiras, todos deveriam estar urrando de indignação. Como explicar, em meio a uma tagarelice incessante, esse silêncio criminoso? Como? Será que o silêncio se explica... pela própria tagarelice? No me lo puedo creer.
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