a cultura e a morte - nova série (3)
Dogville e "Primavera..."
Há uma certa similaridade entre Dogville e "Primavera, Verão, Outono..." Neste último, a ênfase está no devir (retratado como ciclo) da cultura; Dogville, por sua vez, exibe a falência desse processo, que a própria protagonista, Grace, também encarna: pois ela se mostra, todo o tempo, incapaz de agir sobre os demais para exigir deles aquilo que exige com tanto rigor de si mesma (a dimensão ética). Obviamente, quando falta a cultura, ou seja, o adestramento das forças reativas, só se pode mesmo esperar barbárie, violência, escravidão e estupro. E é digno de nota que o único personagem de Dogville explicitamente preocupado com a cultura (Tom, o reformador moral) seja ainda mais canalha do que os outros: ele tenta levar à frente um processo que não realizou em si mesmo; ele é a triste paródia do mestre zen de "Primavera", palhaço moral e não homem (ou além-do-homem) ético. Tom Edison fala o tempo todo de "ilustração", de "exemplo", mas na verdade ele é que é o exemplo de uma Cultura falida porque entregue nas mãos do Estado e da Religião. Por um lado, sermões morais absolutamente inócuos, e por outro uma democracia que constitui (na melhor das hipóteses) o poder de um rebanho dominado pelas forças reativas. Dogville é, no fundo, o filme mais engraçado dos últimos tempos, mas talvez seja preciso vê-lo mais de uma vez para perceber isso. É como se Lars Von Trier dissesse: "Vejam em que grande merda nos metemos: deixamos a cultura se perder... E agora, que faremos? Matar todo mundo?"
P.S. - Eu gostaria de acrescentar o Capital como mais uma força que reclama para si (deturpando-o) o devir da Cultura: ainda que essa questão não me pareça ter sido explorada em Dogville. Ao contrário, o Estado e a Religião estão magnificamente retratados: a Igreja como lugar dos sermões de Tom, a Polícia obedecendo às ordens dos gângsters.
triagem, 21/05/2005
Há uma certa similaridade entre Dogville e "Primavera, Verão, Outono..." Neste último, a ênfase está no devir (retratado como ciclo) da cultura; Dogville, por sua vez, exibe a falência desse processo, que a própria protagonista, Grace, também encarna: pois ela se mostra, todo o tempo, incapaz de agir sobre os demais para exigir deles aquilo que exige com tanto rigor de si mesma (a dimensão ética). Obviamente, quando falta a cultura, ou seja, o adestramento das forças reativas, só se pode mesmo esperar barbárie, violência, escravidão e estupro. E é digno de nota que o único personagem de Dogville explicitamente preocupado com a cultura (Tom, o reformador moral) seja ainda mais canalha do que os outros: ele tenta levar à frente um processo que não realizou em si mesmo; ele é a triste paródia do mestre zen de "Primavera", palhaço moral e não homem (ou além-do-homem) ético. Tom Edison fala o tempo todo de "ilustração", de "exemplo", mas na verdade ele é que é o exemplo de uma Cultura falida porque entregue nas mãos do Estado e da Religião. Por um lado, sermões morais absolutamente inócuos, e por outro uma democracia que constitui (na melhor das hipóteses) o poder de um rebanho dominado pelas forças reativas. Dogville é, no fundo, o filme mais engraçado dos últimos tempos, mas talvez seja preciso vê-lo mais de uma vez para perceber isso. É como se Lars Von Trier dissesse: "Vejam em que grande merda nos metemos: deixamos a cultura se perder... E agora, que faremos? Matar todo mundo?"
P.S. - Eu gostaria de acrescentar o Capital como mais uma força que reclama para si (deturpando-o) o devir da Cultura: ainda que essa questão não me pareça ter sido explorada em Dogville. Ao contrário, o Estado e a Religião estão magnificamente retratados: a Igreja como lugar dos sermões de Tom, a Polícia obedecendo às ordens dos gângsters.
triagem, 21/05/2005
3 Comentários:
xicofuchs,
tem um documentário do qual talvez você goste: "milton santos", do silvio tendler.
beijo,
miyuki.
o comentário anterior foi off-topic, mas este é pra agradecer pela análise de Dogville, alguns anos depois daquelas duas sessões de cinema. :]
Miyuki, obrigado por mais essa dica. =]
You're always welcome.
Beijo.
Postar um comentário
Assinar Postar comentários [Atom]
<< Página inicial