17.8.07

a cultura e a morte - nova série (4)

Fahrenheit 451

"Ele dava forma ao mundo. Ele fazia coisas para o mundo."

Truffaut que me perdoe, mas também neste caso o livro é superior ao filme. Eu deveria me surpreender, mas o fato é que não me surpreeende que Bradbury tenha tocado em tantos pontos comentados aqui (entre outros, o tema da conversa - e até mesmo a fogueira que eu imaginei - estão ali.)

"Algum dia é possível que a carga que estamos carregando conosco ajude alguém. Mas mesmo quando tínhamos os livros à mão, há muito tempo, não usávamos o que obtínhamos deles."

Bingo.

"Dê às pessoas concursos que elas ganham lembrando-se das letras de canções mais populares, dos nomes de capitais ou de qual estado produz mais petróleo. É melhor entulhá-las de dados não combustíveis, entupi-las com tantas "informações" que elas se sintam enfastiadas, mas muitíssimo "brilhantes". Aí elas acham que estão pensando, ficam com uma impressão de estar em movimento sem se mexer. E ficarão felizes porque os fatos dessa espécie não se modificam. Não lhes dê coisas escorregadias como filosofia..."

Bingo de novo.

"Estava à procura de um fulgor, uma resolução, um triunfo sobre o amanhã que de algum modo parecia haver ali. Talvez ele houvesse esperado que os rostos daqueles homens ardessem e luzissem com o conhecimento que portavam, brilhassem como brilham as lanternas, com a luz que sai de dentro. Mas toda a luz proviera da fogueira do acampamento, e aqueles homens não pareciam diferentes de quaisquer outros que houvessem realizado uma longa corrida, uma longa busca, que houvessem visto coisas boas serem destruídas, e agora, muito tarde, estivessem reunidos para esperar o fim da festa e o apagar das luzes. Não estavam de modo algum seguros de que as coisas que traziam na cabeça pudessem fazer com que todas as madrugadas no futuro brilhassem com uma luz mais pura, não tinham certeza de nada, salvo de que os livros arquivados por trás de seus olhos serenos, de que os livros estavam esperando, com as páginas ainda não cortadas, pelos clientes que talvez viessem em anos vindouros, alguns com dedos limpos, outros com mãos sujas."

Como tudo isso contrasta com a evidente satisfação dos homens-livros do filme de Truffaut, tão orgulhosos, confiantes, quase heróicos, por serem os portadores do conhecimento... Tampouco existe, no livro de Bradbury, a correlação rígida entre "um homem, um livro". Os homens estavam ali, e "por trás de seus olhos serenos", os livros também - e isso é tudo. Pode-se dizer que Truffaut deu um toque muito francês à estória. Mas ele era jovem na época em que realizou o filme, e isso não pode ser esquecido.

"Meu avô está morto há tantos anos, mas se você abrisse o meu crânio, encontraria nas circunvoluções do meu cérebro as marcas fortes do seu polegar. Ele me tocou. Como eu já disse, ele era escultor. «Odeio um romano chamado Status Quo!», dizia ele. «Encha seus olhos de maravilhas», dizia, «viva como se fosse cair morto dentro de dez segundos. Veja o mundo. Ele é mais fantástico do que qualquer sonho feito ou adquirido a troco de dinheiro em fábricas. Não peça garantias, não peça segurança, isso é coisa que nunca existiu. E se existisse, seria semelhante a uma grande preguiça que passa o dia inteiro, todos os dias, pendurada de cabeça para baixo numa árvore, levando a vida a dormir. Ao inferno com isso», dizia meu avô. «Sacuda a árvore e derrube a grande preguiça no chão.»"

2 Comentários:

Blogger Unknown disse...

Bem,
assisti o filme ontem e simplesmente amei.
Amanhã comprarei o livro, só depois então poderei opinar melhor. Geralmente o livro é melhor que o filme, e pelo pouco que li aqui, penso que este caso não será exceção.
Daqui umas semanas eu digo o que penso.
De qualquer forma, obrigada por plantar mais uma semente em minha mente.
Um abraço

16 de setembro de 2007 às 21:50  
Anonymous Anônimo disse...

Que bom, que bom... =)

Um abraço!

25 de setembro de 2007 às 19:42  

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