14.4.11

O massacre de Realengo (2)

Uma semana depois da chacina, temos bem mais informações a respeito de seu autor e de suas motivações. Temos, por exemplo, este novo e importante vídeo (liberado ontem pela TV Folha) em que Wellington fala explicitamente dos "bons" e dos "maus".

Antes de entrar no mérito da questão, façamos uma recapitulação do que já sabemos sobre o caso. Wellington Menezes de Oliveira foi adotado e, ao que tudo indica, sabia disso. Durante sua época de aluno na Escola Municipal Tasso da Silveira, ele foi vítima de bullying ou, em bom português, de assédio escolar - chegando a ter sua cabeça enfiada num vaso sanitário. O comerciante Rodrigo Pereira, tio de uma das meninas assassinadas, afirmou que a prática de assédio escolar é comum naquele colégio e que ele mesmo já foi vítima dela. Por fim, sabemos que Wellington não era artista, nem filósofo, nem cientista, e que produziu a si mesmo (ou foi produzido) a partir de idéias de fundo religioso.

Começemos nosso trabalho fazendo uma análise do texto proferido por Wellington no vídeo mencionado acima.

A maioria das pessoas me desrespeita. Acham que sou um idiota. Se aproveitam de minha bondade. Me julgam antecipadamente. São falsas, desleais. Descobrirão quem sou da maneira mais radical, numa ação que farei pelos meus semelhantes, que são humilhados, agredidos, desrespeitados em vários locais, principalmente em escolas e colégios, pelo fato de serem diferentes, de não fazerem parte do grupo dos infiéis, dos desleais, dos falsos, dos corruptos, dos maus. São humilhados por serem bons.

Wellington divide o gênero humano em "maus" e "bons". Religiosos de todas as denominações se apressaram a negar que o assassino de Realengo tenha compreendido até mesmo os fundamentos mais básicos de suas respectivas religiões, porém é inegável que a operação realizada por Wellington encontra seu fundamento na religião e na moral religiosa. Não é que apenas a religião e a moral dividam os homens em "maus" e "bons". Apenas para mencionar dois exemplos, Spinoza e Nietzsche também fazem esse tipo de distinção; entretanto, tudo indica que as referências de Wellington não são essas. Mas voltemos à análise do texto. Para referir-se aos "maus", Wellington se serve de quatro adjetivos diferentes: "infiéis", "desleais", "falsos", "corruptos". Note-se de passagem que, no curto bilhete de suicídio do matador, encontraremos também os adjetivos "impuro", "fornicador" e "adúltero". Levando-se em conta que, mesmo somados, os dois textos mencionados mal ultrapassam meia página, é preciso admitir que Wellington dispunha de uma considerável riqueza lingüística quando se propunha a caracterizar os "maus".

E os bons? Quem são eles? Como Wellington os caracteriza? Afora a locução "fiel seguidor de Deus" (utilizada no bilhete de suicídio), não há, nos textos de Wellington, adjetivos que caracterizem os bons em sua bondade. Isso não significa que os "bons" não estejam devidamente caracterizados. Os bons são "humilhados", "agredidos", "desrespeitados". Creio que o leitor já percebeu onde quero chegar: para o matador de Realengo, os bons são definidos pelas ações dos maus. Não há nada que defina de maneira intrínseca e positiva a sua bondade. Eles são definidos pelas ações de outrem. Em resumo, os bons se definem a partir do que eles não são, eles se definem a partir dos maus e de suas ações.

Esta postagem já está suficientemente longa e, por ora, eu não posso me estender mais. Deixo como indicação de leitura a primeira dissertação do livro A Genealogia da Moral, de Nietzsche. E a promessa de voltar muito em breve - talvez já na madrugada de hoje - com a continuação desta série.

1 Comentários:

Anonymous alfacinha disse...

acontecimento horrível

19 de abril de 2011 às 10:40  

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