22.11.13

Castrar é um ato de amor (mas pesquisar é maldade)

Então Iahweh Deus disse à serpente: "Porque fizeste isso, és maldita entre todos os animais domésticos e todas as feras selvagens. Caminharás sobre teu ventre e comerás poeira todos os dias de tua vida." (Gênesis, 3.14)

Se ha contemplado mal la vida cuando no se ha visto también la mano que de manera indulgente – mata. (Nietzsche, ABM 69)

Negar a um ser vivo a possibilidade de deixar descendentes é, certamente, uma das práticas mais cruéis que se possa conceber. A morte de qualquer ser vivo interrompe uma continuidade de bilhões de anos;¹ mas o vivo que conseguiu se reproduzir venceu, ainda que provisoriamente, a própria morte. Em contraste, a impossibilidade de procriar é uma segunda morte, definitiva e irreversível.² Nem o severo Deus do Antigo Testamento, ao amaldiçoar a "astuta" e "sedutora" serpente, chegou a esse extremo. As serpentes continuam andando, ou melhor, arrastando-se por aí, reproduzindo-se e perpetuando-se.

Pois bem. Existe um consenso quanto à necessidade da esterilização humanitária (castração precoce) de cães e gatos domésticos. Participam desse consenso a OMS (Organização Mundial de Saúde), instituições de ensino superior, órgãos públicos, organizações para o bem-estar animal, donos de abrigos para animais domésticos e assim por diante. Uma pesquisa com a frase "castrar é um ato de amor" (incluindo as aspas) retorna, no Google, 34.200 resultados.

Ora, se a castração é necessária para evitar a superpopulação e o sofrimento dos próprios animais, e se a castração interrompe para sempre sua linhagem, então a posse de um animal doméstico é uma das piores formas de crueldade contra os animais que se possa conceber.

Podemos argumentar que o senciente animal não sofre com a castração, já que nem mesmo sabe que está sendo castrado? Mas com base nesse mesmo argumento também poderíamos justificar o assassinato durante o sono, o roubo da herança de uma criança pequena e assim por diante. Impedir que a vítima tome conhecimento do crime (ou contar com sua "insenciência") não elimina nem atenua o mal que lhe foi feito.

Também se pode argumentar que a castração é um "mal menor", pois é preferível suprimir para sempre a linhagem daquele animal do que abandonar suas crias à própria sorte. Do ponto de vista ético, esse argumento não tem nenhum valor: a não ser que se considere ético decidir, no lugar de um outro ser vivo, se este irá lançar suas crias ao acaso dos encontros ou ter sua linhagem extinta desde já. (Eu me arriscaria a dizer que, se tivessem a oportunidade de decidir, todos os seres vivos prefeririam a primeira alternativa; pois foi precisamente por ela que eles optaram durante toda a história da vida.) No entanto, é preciso admitir que, de um ponto de vista puramente prático (ou seja, humano), esse argumento é aceitável; e foi em torno dele que se formou um consenso acerca da castração.

Mas nesse caso será necessário perguntar: se o próprio defensor dos animais não vê nenhum problema no uso de animais para fins de guarda ou de companhia, ainda que muitos desses animais acabem vivendo em confinamento; se ele não vê problema algum em submeter os bichos a uma intervenção cirúrgica; e, enfim, se ele recorre ao argumento do "mal menor" no caso das castrações, então por que ele tem tanta dificuldade para aceitar que alguns animais sejam confinados em pesquisas que poderão salvar milhões de vidas?

* * *

Talvez por estarem acostumados a tomar decisões de vida e morte em nome de seus bichinhos de estimação, os defensores dos animais querem agora tomar decisões éticas no lugar dos cientistas. Como se estes não fossem capazes de reflexões éticas, ou não tivessem suas atividades de pesquisa rigorosamente regulamentadas e fiscalizadas.

Em tempo: 178 cães foram subtraídos do Instituto Royal. O número da população de cães e gatos domésticos no Brasil ainda é incerto. As estimativas oscilam entre 60 milhões e 101 milhões de animais. Os números são avassaladores e falam por si.

Pensem nisso antes de invadir, saquear e inviabilizar o próximo instituto de pesquisas. E não se espantem se, daqui para a frente, quando vocês perguntarem por que "nós" não nos voluntariamos para os testes, alguém lhes fizer a seguinte pergunta: "E vocês? Vocês castrariam seus filhos?"



¹ Estamos vivos desde o começo do mundo.
² Um doce para quem adivinhar.


Guia de Controle Humanitário da População Canina (ICAM)


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