4.9.14

Evolucionismo e criacionismo

1. Uma pesquisa imaginária

Façamos uma experiência imaginária. Imaginemos que todos os líderes do executivo – presidente, governadores, prefeitos e seus respectivos ministros e secretários – estejam à nossa disposição para que lhes façamos duas e apenas duas perguntas:

(1) Você acredita no evolucionismo ou no criacionismo?
(2) Por quê? Fundamente sua resposta tão bem quanto possível.

As respostas à primeira pergunta, naturalmente, dividiriam os participantes da pesquisa em dois grupos; não existe terceira alternativa. Já as respostas à segunda pergunta, imagino eu, seriam bem mais interessantes.

Os partidários do criacionismo diriam que suas respostas se fundamentam na autoridade de um livro. E os partidários do evolucionismo? Estes, provavelmente, justificariam suas respostas mencionando a "ciência", ou mesmo evocando o nome de Darwin. Na melhor das hipóteses, alguns poucos dariam respostas minimamente coerentes e bem fundamentadas. Ou seja, a maioria desses evolucionistas se contentaria, tal e como os criacionistas, com o uso de um argumento de autoridade. Esses seriam, imagino eu, os resultados imaginários de nossa experiência imaginária.

2. Digressão sobre alguns pontos básicos

Antes de prosseguir, farei uma pequena digressão para estabelecer alguns pontos básicos. Em primeiro lugar, criacionismo e evolucionismo são crenças. Nisso eles não se distinguem. Em segundo lugar, apenas o evolucionismo é uma crença baseada em fatos. Assim, nenhum religioso ou religiosa que seja capaz de dar ouvidos aos fatos (ou aos homens que os estabelecem) negará o evolucionismo. E isso tampouco seria necessário. A bem dizer, o "inimigo natural" do homem religioso não é o evolucionismo, mas a doutrina da seleção natural, que é precisamente uma teoria explicativa do fato da evolução.

Por isso eu disse, na postagem anterior, que o conflito entre evolucionismo e criacionismo não é interessante. Essa briga o evolucionismo já ganhou de goleada. Doravante, o único debate interessante é aquele que diz respeito às causas da evolução. Teríamos aqui, a princípio, três respostas possíveis: (1) Deus; (2) Acaso e necessidade (seleção natural); (3) Vontade, acaso e necessidade (vitalismo). Essa terceira alternativa introduz algum tipo de causalidade mental na evolução dos seres vivos e teria como principais representantes Henri Bergson, Raymond Ruyer e, por que não, Samuel Butler. Ainda não estudei o chamado design inteligente, de modo que não posso me manifestar a respeito. Nem mesmo sei se é coisa séria ou não.

Sinto-me muito à vontade nesse debate, pois não tenho uma "agenda" a defender. Acho a teoria da seleção natural fascinante. No entanto, acredito que a solução do problema está, de algum modo, no campo do vitalismo. Em outros termos, enquanto ciência e religião se estapeiam, sinto que a resposta, no final das contas, será fornecida pelos filósofos.

3. Uma rápida conversa num consultório (conclusão)

Conversei rapidamente sobre esses temas com minha cardiologista, médica de extrema competência que terei o cuidado de não identificar aqui, e dois residentes que com ela trabalham. Ela disse, com todas as letras, que o darwinismo é uma bobagem e que, para ela, a resposta é Deus. Um dos residentes, claramente ateu, defendeu Darwin, e eu, no meio do fogo cruzado, defendi a "terceira via" vitalista.

Acha o leitor que eu me senti "desconfortável" com o posicionamento de minha cardiologista? Mas nem de longe. Continuarei me tratando com ela até o fim dos (meus) tempos.

Do mesmo modo, e ainda que um bom manual de biologia molecular me fascine bem mais do que a Bíblia, eu me sentirei bastante confortável votando em Marina Silva para presidente. Os religiosos não têm o monopólio da arrogância, como bem mostra o arrogante artigo deste físico sobre a candidata, acusada de todos os defeitos exibidos pelo próprio articulista.

De maneira geral, os políticos brasileiros não têm a menor idéia do que está em jogo nesse debate. Como todos, eles têm suas crenças, mormente baseadas, de acordo com os resultados de nossa experiência imaginária, em meros argumentos de autoridade. Magister dixit. São homens médios, com preocupações medianas, e não homens apaixonados pelo entendimento e pela criação. Como todos (e isso também inclui pesquisadores e estudiosos sérios), eles sentem dificuldades para orientar seu pensamento em meio à maravilhosa complexidade do universo e (como se isso não bastasse) em meio à desmesurada confusão deste mundo. Eles estão na política para defender seus interesses e os interesses daqueles que os elegeram. Se fossem todos pensadores, tanto melhor. Mas não são e não é de se esperar que um dia o sejam. Cabe a nós, se disso formos capazes, controlar seus arroubos de estupidez e de ganância.

Não podemos votar em Spinoza para presidente. Aliás, jamais poderíamos, pois ele mesmo não se candidataria. Mas também não podemos descartar a candidatura de Marina Silva apenas porque discordamos de algumas de suas crenças. Ela, como todos nós, tem o direito de errar. Mas eu vejo nela uma vontade de acertar que está muito acima da média. E creio que essa vontade de acertar, muito mais do que acertos ou erros pontuais, é que deve ser valorizada acima de tudo.

Não tenho medo de Marina Silva. Eu tenho medo é da hipocrisia e da estupidez da politicalha brasileira.

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