6.4.15

As bijuterias envenenadas (parte 2)


A reação brasileira


Diante do caso exposto na primeira parte desta postagem, qual foi a reação brasileira?

Depende. Pode-se mencionar ao menos três reações diferentes.

1. A reação das consumidoras

Primeiramente, é preciso falar de quem sustenta todo esse comércio de bijuterias tóxicas provenientes da China: as consumidoras, é claro. Não é preciso visitar a Saara (no Rio) ou a 25 de março (em Sampa) para conhecê-las. Há um exército delas escrevendo em blogues, vendendo produtos no Facebook ou em páginas de comércio online e postando vídeos em canais do YouTube. Elas usam como senha a palavra comprinhas, e seus interesses se baseiam num tripé: roupas, maquiagem e acessórios, entre os quais se incluem as bijuterias. Todas as mercadorias são chinesas e quase todas são provenientes de um único site. As roupas são baratas, de mau gosto e de má qualidade. As maquiagens são todas falsas, ainda que as palavras "falsificação" e "contrafação" tenham sido banidas do vocabulário dessas moças (e substituídas pelo eufemismo "réplica".) Quanto às bijuterias, bem, destas nós já sabemos alguma coisa. Deixarei aqui uma sugestão de pesquisa caso o leitor deseje conhecer um pouco desse universo bizarro.

Mas atenção! Com raras exceções, elas não são mocinhas pobres ou de periferia; todas têm acesso a informação (e a cartões de crédito internacionais), mas ainda assim ignoram, voluntariamente ou não, o problema dos metais pesados nas bijuterias. Tampouco parecem estar preocupadas com os produtos químicos que possam estar presentes em suas maquiagens "réplicas". Elas querem comprar, comprar barato e comprar muito; e, acima de tudo, querem fazer propaganda de suas compras. Aparentemente, é tudo um grande negócio. Algumas são simplesmente meninas sem noção sonhando com a celebridade (e o comércio) online. Outras parecem saber muito bem o que estão fazendo, e são, como diria meu amigo Mário, criminosas de guerra. Outras ainda se assemelham, em seu desespero mal disfarçado, a "MAVs" dos vendedores chineses. Nenhuma delas parece se importar com o fato de que crianças pequenas irão acabar usando aquelas maquiagens e bijuterias. E quem se importa?

2. A reação dos políticos

Os políticos são os últimos homens do mundo a se importar com criancinhas (que não sejam deles), mas certamente sabem farejar temas de fácil digestão para alavancar suas carreiras políticas. Ao menos dois deles propuseram (imediatamente após a denúncia do Fantástico) projetos de lei regulamentando a questão do cádmio. Um deles imitou a legislação européia, outro imitou a americana. Os dois projetos aparecem juntos e misturados no projeto de Lei 6786/2013, que copia trechos inteiros da reportagem do Fantástico mencionada anteriormente (e que são, por sinal, os trechos mais bem redigidos do documento).

O PL 6786/2013 já foi aprovado na Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio da Câmara dos Deputados. Não deixa de ser uma boa notícia. Levando-se em conta que as legislações européia, canadense e americana sobre o tema são relativamente recentes (tendo surgido entre 2007 e 2011), não estamos tão atrasados assim.

Mas há quem reclame. Um texto (contemporâneo à denúncia do Fantástico) escrito em um site autoproclamado The Global Jewelry Information Website (11) diz textualmente que
"O estranho de tudo isto é que o problema somente agora aparece no Brasil. Na verdade, é muito difícil alcançar níveis tão baixos de cádmio. Mesmo nas joias fabricadas no Brasil. E não é um problema do fabricante de joias, mas do fabricante do metal."
Notem que dois problemas distintos surgem nesse texto. Em primeiro lugar, ele afirma que os fabricantes de metal no Brasil talvez não sejam capazes de fornecer metais com a pureza desejada e consignada em lei. Se isso for verdade, é preocupante. Em segundo lugar, o texto sugere que o problema (ou melhor, que a discussão do problema) apareceu no Brasil com um considerável atraso. O próprio título da matéria (só agora...) sugere que o problema já era bem conhecido pelos representantes da classe joalheira.

Mas não é preciso ser joalheiro para perceber que teria sido possível iniciar bem antes a discussão de um problema tão sério. Se estivéssemos mais atentos ao cenário internacional, o problema poderia ter sido levantado já a partir das primeiras notícias a respeito do que estava ocorrendo no mundo desenvolvido, e portanto já em 2010 ou mesmo antes. Descobrir o problema por acaso, numa fiscalização da Receita Federal que nada tinha a ver com questões de saúde pública, é certamente vergonhoso.

Mas será que só precisávamos ter prestado um pouquinho mais de atenção ao que acontecia lá fora? Ou será que a descoberta casual do problema é parte integrante da ordem das coisas aqui no Brasil? Ainda resta falar de uma dentre as três reações mencionadas no início deste texto. É a reação mais interessante e será discutida no terceiro e último texto da série.


FONTES

(11) Só agora no Brasil foram descobertas bijoux contaminadas com cádmio da China (CREBI)

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