10.5.15

A Folha que se estabacou


O artigo FHC e a maconha, publicado há uns dez dias na Folha de São Paulo, é um exemplo cristalino do que não se deve fazer ao abordar um determinado tema. Uma espécie de "aula ao contrário".

A estrutura do artigo é extremamente simples. A tese a ser combatida é esta:
Os defensores da liberação da maconha no Brasil costumam argumentar que a política de guerra às drogas fracassou – pois não reduziu a produção nem o consumo – e que a medida é necessária para esvaziar o crime organizado.
Trata-se, portanto, de um artigo contra a legalização da maconha, ou melhor, contra um determinado argumento que costuma ser apresentado a favor da referida legalização. Assim, vejamos com que argumentos o colunista da Folha tenta rebater a tese mencionada acima.
A legalização da venda da maconha não seria um grande problema para o crime organizado, que continuaria a existir da mesma forma, negociando todo tipo de droga. Não precisaria abdicar nem mesmo da maconha. Teria apenas de trocar o verbo "traficar" pelo não menos violento "contrabandear".
Há um núcleo de verdade incontestável no parágrafo acima: com efeito, mesmo com a legalização da maconha, o crime organizado (1) continuaria a existir e (2) continuaria negociando todo tipo de droga.

Quanto a saber se "a legalização da maconha não seria um grande problema para o crime organizado", seria necessário perguntar ao colunista da Folha se ele possui dados atualizados sobre a contabilidade do crime e sobre a participação relativa da venda da maconha na totalidade dos lucros auferidos pelo crime organizado com a venda de drogas. Afinal, caso a maconha se revele uma droga popular e bastante consumida, com grande participação nos lucros do crime organizado, essa afirmação rapidamente cairia por terra.

E mais: o crime organizado não sofreria apenas as perdas relativas à maconha que passasse a ser consumida legalmente. Também o consumo ocasional de outras drogas (mais pesadas) seria prejudicado na medida em que o "viciado", ao deixar de entrar na comunidade para buscar sua maconha, ficaria menos exposto à oferta de drogas pesadas.

Entretanto, alerta o colunista, não haveria motivos para comemorar. Segundo ele, a maconha, ao ser legalizada, simplesmente passaria da esfera do tráfico para a 'não menos violenta' esfera do contrabando. O crime organizado continuaria competindo com o Estado (ou com a iniciativa privada) para oferecer seu próprio produto, agora legalizado...
Exatamente como ocorre atualmente com o tabaco. Anualmente, cerca de 33 bilhões de cigarros, ou um a cada três fumados no Brasil, são ilegais, trazidos essencialmente do Paraguai por quadrilhas internacionais que, obviamente, não pagam imposto nem respeitam as normas do Ministério da Saúde.
Aqui, justamente quando nosso colunista da Folha acreditou estar enterrando de uma vez por todas o argumento de FHC a favor da legalização, ele estava é sepultando definitivamente seu próprio argumento sob incontáveis palmos de terra. E por uma razão tão simples que, muito provavelmente, apenas a mais renitente recusa em refletir sobre o que ele mesmo estava falando impediu o nobre articulista de arrepiar caminho antes de publicar bobagem tão evidente.

Sou da "cidade grande" e não conheço ninguém que plante tabaco em casa para consumo próprio. Eu mesmo, que durante mais de dez anos fumei cigarro de palha (fumo de rolo), jamais teria cogitado (mesmo que eu tivesse alguma terra) em plantar meu próprio tabaco. Quem conhece o processo de produção dos rolos de fumo sabe que não se trata de coisa trivial.

Também jamais plantei maconha, mas pelo que estou informado, é coisa bem fácil que se pode fazer até mesmo dentro de um apartamento. Um dos primeiros efeitos, portanto, da legalização da maconha, seria o plantio da erva dentro das casas e apartamentos dos usuários. Assim, apenas os preguiçosos comprariam sua maconha em farmácias e, se você me permitem, apenas os mais estúpidos continuariam comprando-a de traficantes.
A liberação da maconha, além de não enfraquecer o crime organizado, como crê FHC, lhe traria, na verdade, um estímulo. O mercado consumidor potencial passaria a ser bem maior que o atual.
A primeira frase, como vimos, está totalmente incorreta. A legalização da maconha enfraqueceria, sim, o crime organizado. Em que medida ela o faria, é difícil saber; mas enfraqueceria, e sem sombra de dúvida, e num grau bastante considerável. Quanto à afirmação final, a de que "o mercado consumidor potencial passaria a ser bem maior que o atual", podemos qualificá-la mais como um exercício de chutometria do que como uma afirmação baseada em estimativas precisas. Sim, é até possível que, num primeiro momento, o consumo aumentasse pela curiosidade de uns poucos. Mas eu aposto exatamente no contrário: ao perder a erva sua aura fora-da-lei, muitos adolescentes, jovens e até mesmo adultos perderiam progressivamente seu interesse pela maconha. Deixando de ser proibido, deixaria de ser gostoso. É medíocre, mas é assim que funciona.


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