18.2.16

Bananas pra dar e vender

Uma de minhas metas para 2016 é parar de comentar "atualidades" neste blogue. Há centenas, há milhares de pessoas que comentam notícias de jornais. Inclusive nos próprios jornais... Tenho de confiar que ao menos uma pequena parcela deles estará defendendo pontos de vista semelhantes aos meus, o que, em tese, acaba tornando redundante o meu trabalho. Ao realizar, embora de forma intermitente, esta atividade não remunerada de "colunista", sinto-me perdendo meu tempo.

O Brasil está, por assim dizer, desandando. O resto do mundo também; mas eu não vivo no resto do mundo, que só conheço por ouvir dizer; e pelo simples fato de viver aqui eu sou, como tantos outros, testemunha privilegiada do desandamento particular que é o nosso. Se eu quero fazer algo a respeito? É claro que eu quero. Mas não é comentando as bobagens do dia que eu estarei fazendo "algo a respeito". Isso já há quem faça; e eu tenho, de fato, outros planos.

O que me levou a tomar essa decisão? Mais uma bobagem, ou melhor, duas bobagens (daquelas bem bobinhas mesmo), ambas sobre o tema que foi objeto de minhas três últimas postagens.

Sou contra a proibição pela Justiça do Rio da venda, exposição e divulgação do livro “Minha luta”, de Adolf Hitler, um asqueroso manifesto de propaganda das ideias nazistas, fascistas, racistas e antissemitas, sem valor filosófico, histórico e nem mesmo biográfico, porque cheio de mentiras... Se é assim, por que então sou contra? Defesa da liberdade de expressão? Não é nem por isso, já que o livro pode ser baixado grátis pela internet por qualquer um. A principal razão é o temor do chamado “efeito paradoxal”, uma consequência oposta ao que se pretende: em vez de impedir a leitura, a medida pode estimulá-la (...)¹

Como vemos, o autor posiciona-se contra a proibição do livro de Hitler, que segundo ele carece de "valor filosófico" (concordo plenamente) mas também não possui valor "histórico e nem mesmo biográfico, porque cheio de mentiras". Mas ele não é contra a proibição porque esteja defendendo a liberdade de expressão, "já que o livro pode ser baixado grátis pela internet por qualquer um." Ele é contra porque a proibição acaba funcionando como propaganda daquilo que está sendo proibido.

Agora me digam: será que o leitor realmente precisa de mim para adverti-lo de que, muito embora a história possa ter como alvo a busca da verdade, também as mentiras possuem valor histórico e/ou biográfico? Por exemplo, para estabelecer que os personagens A ou B eram mentirosos, será preciso justamente recolher todas as suas mentiras e confrontá-las com os fatos, ou ao menos com versões mais fidedignas desses mesmos fatos. E isso se aplica tanto a genocidas boçais como Hitler quanto a falsários inofensivos como Bob Lester.

Ou será que o leitor precisa de mim para compreender que a mera circulação clandestina de um livro não elimina da sentença judicial que o proibiu seu caráter autoritário? Quem não vê que a defesa da liberdade de expressão é uma questão de direito, e nada tem a ver com a disponibilidade de fato de um texto proibido? Dizer que não é preciso defender a liberdade de expressão porque o livro pode ser obtido equivale a dizer que seria desnecessário defender a liberdade de fornicar se o sexo viesse a ser proibido, já que as pessoas sempre dariam um jeito de burlar a lei.²

E então? Vocês realmente precisam de mim para dizer a vocês essas coisas? Não, não precisam.


____________

¹ Zuenir Ventura. O risco do efeito contrário (O Globo, 17/02/2016)
² Vale a pena relembrar que a proibição indiscriminada acaba afetando a divulgação da única edição que vale a pena ser divulgada: a nova edição crítica alemã. Se considerarmos as coisas por esse aspecto, então a "segunda bobagem" é, na verdade, uma bobagem dupla: sim, é preciso defender a liberdade de expressão em geral, mas (pela razão particular apresentada nesta nota) também é preciso defendê-la, em especial, neste caso concreto.

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