7.2.16

Hitler goes bananas (parte 2)


Até mesmo a liberdade de expressão conhece limites. Um desses limites, por exemplo, é o discurso racista. Como deixa claro o arrazoado do juiz Salomão, racismo é crime e a justiça deve coibir a difusão de discursos racistas.

O problema é que o mencionado juiz, em sua sentença, parece determinado a ignorar algumas questões de direito e de fato. Em primeiro lugar, a questão de direito: não se pode falar em "dignidade da pessoa humana" sem levar em conta o direito à informação, que nada mais é do que uma variante da própria liberdade de expressão. Arrogar-se o direito de decidir, em nome dessa mesma pessoa humana cuja dignidade se pretende defender, que ela não terá acesso a uma parte importante (ainda que deplorável) do passado da humanidade é, na verdade, aviltá-la, mantê-la em um estado de menoridade. Gostemos disso ou não, é impossível suprimir Mein Kampf da história européia e mundial como se apagássemos uma postagem racista numa rede social.

E ainda que fosse possível, não creio que seria desejável. Passemos aos fatos, que são pelo menos três.

Fato: Minha Luta não é apenas o mais célebre manifesto da ideologia nacional-socialista, mas também um documento histórico insubstituível. Tentar proibir sua publicação é tentar reescrever – no mau sentido, no sentido orwelliano – a história.

Fato: o livro de Hitler não interessa apenas a quem deseja conhecer melhor o passado, mas também a quem deseja conhecer o presente, já que ele é um moderno best-seller no mundo árabe e muçulmano.

Fato: o livro em questão pode ser encontrado facilmente na rede, em diversas línguas, muitas vezes em edições duvidosas. Ao menos uma dentre elas (chilena) foi explicitamente publicada por simpatizantes do nazismo. Praticamente nenhuma delas é comentada.(1)

Diante desse quadro, a única opção realmente produtiva seria estimular a publicação de uma edição moderna (crítica) de Mein Kampf. Assim, uma decisão judicial que (por exemplo) somente permitisse a circulação de traduções da nova edição crítica alemã ainda poderia ser considerada uma decisão autoritária, mas seria, sem dúvida, uma decisão compreensível e uma boa solução para um problema tão sensível. Mas a decisão de proibir a reedição da obra e deixar que o livro circule, como hoje, apenas de forma clandestina (e em suas mais baixas manifestações) consegue a proeza de ser não apenas uma solução autoritária, mas também uma solução contraproducente.


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(1) Aparentemente, uma das melhores edições online (e que eu ainda não conhecia) é a tradução americana (comentada) de Reynal & Hitchcock, publicada em 1939.

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