31.7.16

febeapá 1: the libertarians

O pensamento, dizia Henri Bergson, deve adequar-se ao seu objeto como uma roupa feita sob medida. Inimigo das idéias prontas (prêt-à-porter), Bergson exigia, para cada novo objeto de estudo, um renovado esforço de pensamento.

Por exemplo, se tomarmos como objeto de análise a repressão ao doping no esporte, compará-la com a "guerra às drogas" não é um bom ponto de partida. E criticá-la em nome da autonomia do paciente perante seu médico tampouco é um bom ponto de chegada.

Não é a primeira vez que Hélio Schwartsman critica, na Folha de São Paulo, a proibição do doping no esporte.(1) Também não é a primeira vez que ele menciona o livro Testosterone Dreams, de John Hoberman.

Não é que os argumentos libertários (no sentido norte-americano do termo) do colunista sejam ruins neles mesmos. O problema é que, aplicados ao objeto em questão, eles acabam contradizendo a si mesmos. E isso não é pouca coisa, especialmente se considerarmos que Hélio Schwartsman acusa os argumentos a favor da proibição de estarem amparados em "bases frágeis".

Quando um paciente diz ao seu médico que, por temer os efeitos colaterais do tratamento, ele não tomará um determinado remédio, ou o tomará em dosagens menores, é preciso respeitar sua decisão.

E se um indivíduo decide beber até morrer, podemos oferecer-lhe ajuda e tentar demovê-lo de sua decisão, mas não podemos impedi-lo.

No caso do doping, entretanto, as coisas se passam de maneira totalmente diferente. É também em nome da liberdade que Hélio Schwartsman defende o direito daqueles que querem fazer uso de substâncias proibidas no esporte. O problema é que, nesse caso, a liberdade (autonomia) de uns implicaria necessariamente o constrangimento (a perda de autonomia) de outros. Defender o direito daqueles que querem drogar-se para melhorar seu desempenho numa competição implica em subtrair dos demais competidores (que queiram permanecer competitivos) o direito de não usar drogas.

Por fim, desse equívoco lógico acaba derivando um deslize ético. Diz o autor:
No fundo, o movimento antidoping se assenta mais num sentimento moralista, que busca uma suposta pureza no esporte, do que em bases racionais.
Vemos que Hélio Schwartsman descreve seus adversários como pessoas que, incapazes de apresentar argumentos, defendem sua causa com base num mero "sentimento moralista". Esse recurso é uma espécie de doping argumentativo destinado a constranger o leitor: se você não aceita minhas razões, é porque você não passa de um conservador irracional em busca de uma ilusória pureza...(2)

Esta é a primeira postagem da série Febeapá. Estão previstas ao menos mais duas. Go, Usain Bolt!


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(1) Hélio Schwartsman. Veto a doping tem bases frágeis. Folha de São Paulo, 27/07/2016.
(2) Mais ou menos como o General Ripper do filme de Stanley Kubrick: Dr. Strangelove or How I Learned to Stop Worrying and Love the Bomb, 1964.


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