8.4.17

e tenho raiva de quem sabe


"Não sei, não quero saber e tenho raiva de quem sabe!"

Desconheço a origem e a idade da frase acima, que ouvi pela primeira vez, ainda adolescente, nos anos 70. Há alguns anos eu a redescobri, e atualmente ela me parece constituir uma das melhores sínteses da cultura brasileira.

O brasileiro médio tem, efetivamente, raiva de quem sabe. Seria tal raiva mera expressão de ressentimento do preguiçoso incompetente, inferiorizado pelo diligente? Seria ela uma reação ao dotorismo, tão arraigado numa sociedade de extração escravocrata? Seria inveja? Seria uma manifestação de orgulho pelo nosso "gênio da improvisação", que substitui, sempre que possível, o saber certo pelo jeitinho? Como, enfim, explicar esta nossa reiterada exaltação da ignorância?

Sejam quais forem as causas do fenômeno, ele não está restrito, como muitos poderiam pensar, às "classes populares". Talvez seja mesmo o contrário: enquanto boa parcela do povão continua valorizando o estudo como meio de "subir na vida", nossos professores universitários são capazes de lançar pérolas como esta:

"Levar seu doutorado muito a sério é signo de baixa formação intelectual." (1)

Deve ser por isso que, em dezembro de 1996, durante a defesa de minha dissertação de mestrado na UFRJ, uma professora aposentada que participava de minha banca fez questão de dizer que meu trabalho estava melhor do que muitas teses de doutorado defendidas ali. É que eu era o bobo que levava sua pequena aventura a sério, enquanto os doutores, sabendo que tudo aquilo era apenas jogo de cena, não despenderam mais do que dois centavos de sua alta formação intelectual com tão irrelevante ninharia.

Mas se "levar muito a sério" um doutorado é "signo de baixa formação intelectual", que dizer de quem leva a sério nossos jornais e... nossos blogues?



(1) Folha de São Paulo, 3 de abril de 2017.

Marcadores: , ,

0 Comentários:

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial

eXTReMe Tracker