18.9.17

um ato falho

Num artigo d'O Globo sobre a formação de preço do (caro) iPhone X, o economista Samy Dana menciona fatores que poderíamos dividir em "objetivos" e "subjetivos". Grosso modo, os fatores objetivos seriam a soma daquilo que o autor chama de "custo de produção" (matérias primas, energia, instalações, mão de obra) e do investimento em pesquisa e desenvolvimento; e os fatores subjetivos poderiam ser resumidos na "percepção de valor", ou seja, no quanto as pessoas estariam dispostas a pagar por aquele produto.
"Além do custo de produção, na hora de estabelecer os preços as empresas devem considerar o valor da propriedade intelectual, os gastos em pesquisa e desenvolvimento e a percepção de valor — ou seja, quanto as pessoas estão dispostas a pagar. No caso dos aparelhos da Apple, este último item ocupa um grande espaço na equação e é o que faz do iPhone um caso interessante de preço."
Curiosamente, ao analisar a formação de preço de um quadro, Dana parece não levar em conta um fator que, para a indústria, é tão importante: pesquisa e desenvolvimento.
"Se pensarmos pelo custo de produção, um quadro nada mais é do que tela e tinta. Porém, não é esse o fator determinante no preço de uma obra. Contam mais outros fatores, como o preço de outras telas do mesmo artista e de seus contemporâneos, assim como sua reputação e a raridade das obras. No fim das contas, quem mandará na equação é a percepção de valor do comprador — ou seja, o quanto ele está disposto a pagar."

É como se o investimento em "pesquisa e desenvolvimento", referido explicitamente no caso do iPhone, simplesmente não existisse no caso das artes plásticas. Como se não fossem necessários vários anos de esforço, seja para o aprendizado da pintura, seja para a formação de um círculo de amizades que faculte ao artista o acesso ao circuito do Mercado de Arte. Pode acontecer que o artista consiga fazer ambas as coisas? Sim, mas é bastante raro, pois trilhar qualquer dos dois caminhos exige um grande investimento de tempo e dedicação. Não se aprende a fazer arte num dia, e não basta um dia para a formação de uma rede de amigos.

Assim, Dana foi duplamente injusto: com os artistas que se esforçam para fazer arte, e com os artistas que fazem prosperar o milionário Mercado de Arte. Evidentemente, ele não merece ser crucificado por tão pouco: quase um ato falho. Mas, num país como o nosso, onde o homem médio ainda pensa que arte é coisa de vagabundo, trata-se de um ato falho pra lá de significativo.

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