7.10.17

Arte e liberdade de expressão (primeira parte)

Latin America, however, has a distinct identity which differ­entiates it from the West. Although an offspring of European civilization, Latin America has evolved along every different path from Europe and North America. It has had a corporatist, authoritarian culture, which Europe had to a much lesser degree and North America not at all. (1)

Não é surpreendente que, numa sociedade autoritária como a nossa (2), os debates sobre a liberdade de expressão (e seus limites) sejam freqüentes. Por óbvio, o autoritarismo não é apenas brasileiro. O que é brasileiro por excelência (é o que se tem dito, acertadamente ou não, ao longo de décadas) é a valorização do "jeitinho" e da "malandragem". Se esse diagnóstico estiver correto, estaria explicado o fato de que, no Brasil, a honestidade (ou mesmo a coerência) intelectual não chega, por assim dizer, a constituir um problema: pois mesmo os nossos artistas, que supostamente teriam de defender intransigentemente a liberdade de expressão, a atacam quando julgam conveniente fazê-lo. (3)

Não há nada mais fácil do que defender a liberdade de expressão. É bem verdade que teremos de fazer algum esforço para encontrar quem defenda a liberdade de expressão alheia; mas sempre que a nossa liberdade é ameaçada, fazemos manifestos e discursos inflamados com aquele ardor que apenas a boa consciência dos justos inflama.

E, no entanto, mesmo os mais ardorosos defensores da liberdade de expressão reconhecem que ela não pode vigorar absolutamente sem limites. Seu mau uso (calúnia, difamação) é punido pela lei. Ideologias que pregam a submissão e/ou o extermínio de uma parcela da humanidade são passíveis de banimento. Doutrinas que pregam a revogação (e não a mera limitação) da liberdade de expressão tendem a não ser toleradas, sobretudo porque as sociedade modernas possuem meios de controle que possibilitariam abolir de fato (e talvez para sempre) a liberdade de expressão. (4)

Longe de enfraquecê-la, a imposição de certos limites fortalece a liberdade de expressão. Nesse sentido, a proibição ou censura das ideologias totalitárias que gostariam de conformar toda a humanidade a uma única doutrina e a um único modelo de "homem", embora possa parecer paradoxal, é totalmente coerente: a liberdade não pode preservar-se senão abolindo aquilo que exterminaria a própria liberdade.

Como entender, nesse contexto, a chamada classificação indicativa? A meu ver, ela é uma das mais benignas formas de impor limites à liberdade de expressão. Antes de mais nada, ela não interfere no processo de criação. Eu faço aquilo que bem entendo, e é apenas no momento de publicar (de tornar pública) minha criação que irei me preocupar se ela é inadequada para alguma faixa etária. Ela tampouco interfere na fruição da obra, que é livre desde que os limites mínimos de idade sejam respeitados.

Estou falando de algo que conheço, pois eu mesmo já fiz classificação indicativa quando traduzi e legendei, em 10 abril de 2015, o vídeo "Housewife 25". Além de solicitar a restrição de idade no YouTube, eu ainda lhe dei um título que disfarça seu conteúdo; pois, como sabemos, qualquer um pode burlar facilmente as restrições do Google. Fiz tudo isso porque o tema não é de fácil compreensão nem mesmo para um adulto, muito menos para uma criança ou adolescente. Esse vídeo teve, nestes dois anos e meio, apenas 39 acessos; mas esse é um preço que eu pago alegremente para me assegurar de que fiz todo o possível para ocultá-lo de quem poderia acabar entendendo tudo errado.

Não custa notar que eu não chamaria esses cuidados de "autocensura", pois só haveria autocensura se eu deixasse de traduzir ou "suavizasse" algum diálogo do vídeo. Nada disso houve. Houve apenas, quando da publicação, um certo cuidado que todos os pais e mães entenderão. Só para que fique bem claro, eu já não tenho esse mesmo cuidado ao publicar um poema neste blogue, ainda que o referido poema seja, nas palavras de uma leitora, "tão direto que nem chega a doer". O meio, a linguagem, a plataforma, tudo é diferente. Ser responsável e ser carola são duas coisas inteiramente distintas.

(continua)


Vídeo: Housewife 25

NOTAS

(1) HUNTINGTON, Samuel P. The Clash of Civilizations and the Remaking of World Order. Simon and Schuster, New York, 1996, p. 46.
(2) Tendência para o autoritarismo é alta no Brasil, diz estudo (Folha de SP)
(3) A privacidade e as biografias não autorizadas.
(4) Filmes como "V de Vingança" induzem à crença ingênua de que um regime totalitário plenamente estabelecido poderia ser derrotado pela mera ação heróica de forças internas. Um totalitarismo em escala planetária só poderia ser derrotado por sua própria inépcia ou estupidez, mas essa é uma hipótese com a qual não podemos nos dar ao luxo de contar.

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