11.11.17

Waack é vítima?

Foi publicado hoje, na Folha de São Paulo, um artigo de Demétrio Magnoli com o seguinte título:

"Waack é vítima da fome insaciável das redes que exige sacrifício de figuras".

Ao fazer um "exercício de redução" no título do texto, obtive esta frase:

"Waack é vítima da fome insaciável das redes"

e, finalmente, a frase:

"Waack é vítima".

Será?

Numa emissora em que os telejornais são, se me permitem o neologismo, inassistíveis (este âncora balança compulsivamente a cabeça, aquela é capaz de afirmar que "pneumonia" se escreve com "p" mudo), o telejornal apresentado por William Waack se destacava com facilidade.

Similarmente, os textos de Demétrio Magnoli, juntamente com os de um seleto punhado de colunistas, se destacam em meio à mediocridade geral da Folha.

Digo tudo isso para ressaltar que não é por antipatia a nenhum dos dois que escrevo esta nota.

Magnoli provavelmente tem razão quando sugere que Waack não é pior do que muitos daqueles que o acusam. E também é provável que ele seja melhor do que aqueles que o defendem. Só que o problema não é esse.

O problema está na qualidade dos argumentos usados por Magnoli em seu texto.(1)
"Um clamor de indignação legítima nasce da janela que se abriu para um abismo interior de Waack. O jornalista admirado expeliu lixo. Somos todos, de alguma forma, lixeiras de séculos de violência, exclusão e preconceito."
Se é assim, não estariam todos os crimes perdoados de antemão? Se lixeiras somos e lixo é o que sai de nós, se somos todos vítimas, nenhuma discussão sobre ética faz o menor sentido.
"A URSS stalinista, a Alemanha nazista, a China maoísta, o Camboja de Pol Pot e a Cuba castrista estabeleceram o objetivo de criar o "homem novo". Os sistemas totalitários almejavam retificar não apenas o comportamento, mas a mente dos indivíduos, moldando-a segundo suas normas ideológicas. A escola, a propaganda, a prisão, a tortura e o campo de trabalhos forçados eram os instrumentos da pedagogia social.

Por sorte, todas essas tentativas fracassaram. Homens (e mulheres) "velhos", empapados de fraquezas e preconceitos, seguem constituindo as sociedades."
Ao mesmo tempo em que Magnoli comemora a renitente existência do "velho homem", ele parece confirmar o que diziam as velhas utopias: "apenas nós, com nossa pedagogia iluminada, seremos capazes de fazer nascer um novo homem".

Ora, o problema é exatamente esse. O "homem novo" (mas Nietzsche diria: o além-do-homem) jamais poderia nascer por meio da aplicação de um programa imposto por um regime político. Quem quiser produzir um novo homem terá a si mesmo como matéria-prima, e terá de produzi-lo em si mesmo. Não há outra hipótese.

É claro que não podemos produzir a nós mesmos sem o outro, assim como o outro não poderá produzir-se sem nossa ajuda. Ainda assim, a autoprodução é a responsabilidade inescapável de cada um. Não por acaso, a produção do outro é o sonho ruim de todas as ideologias totalitárias.

Nessa perspectiva, e isso é evidente, não há o menor espaço para algo semelhante ao racismo. Quem está ativamente produzindo a si mesmo simplesmente não terá o menor tempo a perder com uma baixeza desse quilate. Quem está ativamente produzindo a si mesmo almeja tornar-se um filósofo (e não o agente de uma ideologia), um artista (e não um agente do mercado de arte), um cientista (e não um agente das corporações) ou mesmo um místico (e não um agente das religiões). Quem está ativamente produzindo a si mesmo sabe que suas ações derivam de seus sentimentos e que seus sentimentos derivam de suas idéias; e, portanto, cuida muito bem de suas idéias.

Waack é vítima? Não.

Em certo sentido, chamar um homem como Waack de "vítima" é insultar as verdadeiras vítimas que há no mundo. Se formos chamar de "vítimas" todas as pessoas que só são vítimas de sua própria mesquinhez, acabaremos alargando tanto a extensão do conceito que lhe arruinaremos a compreensão.

No mais, chamou-me a atenção, no vídeo apresentado, a irritação de Waack com a buzina do automóvel. É como se o mundo inteiro devesse parar no tempo, ou no mínimo proceder a um silêncio respeitoso, para dar passagem ao precioso arauto da notícia. Não fosse por esse átimo de impaciência, não teria havido nenhum comentário racista. Corolário: as coisas ruins nunca vêm sozinhas.

Não vejo aqui uma questão de "correção política". É muito mais grave do que isso. Minimizar o que houve é a pior coisa que poderíamos fazer.

Por outro lado, apesar da gravidade do fato, não vejo motivo para enviar William Waack a um exílio perpétuo. Posso ter detestado o inconsistente texto de Magnoli, mas aprecio sua motivação. Sábios são sábios e não precisam de nossa compaixão. Se não estivermos dispostos a demonstrar compaixão pelos tolos, jamais seremos capazes de perdoar ninguém. E se um dia chegarmos a precisar, por um motivo ou por outro, de nosso próprio perdão?



(1) Waack é vítima da fome insaciável das redes que exige sacrifício de figuras (Folha de SP)


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