27.9.18

Adoradores de monstros

Quais são os critérios para a participação de candidatos presidenciais nos debates televisivos? Por lei, os candidatos de partidos que contam com no mínimo cinco parlamentares têm seu direito assegurado; a participação dos demais candidatos é facultativa, ou seja, fica a critério das emissoras de TV (que podem convidá-los mas não são obrigadas a fazê-lo).

Para as próprias emissoras, essa liberdade de escolha é um direito, e não um privilégio; afinal, elas estão cumprindo exatamente o que a lei determina. Mas será que elas imaginaram que revelariam tanto de si mesmas por meio de suas escolhas?

A legenda do Cabo Daciolo não soma o número mínimo de deputados que obriga as emissoras de TV a convidar os candidatos a presidente; no entanto, ele tem sido chamado para a maioria dos debates. Enquanto isso, candidatos muito mais bem posicionados nas pesquisas são sistematicamente deixados de lado.

O que explica a presença de Daciolo em tantos debates? Apresento duas hipóteses concomitantes:

1. As emissoras de TV estão (como sempre) mais preocupadas com o espetáculo do que com o debate de idéias. Por isso elas dão preferência a candidatos folclóricos.

2. Apresentar uma caricatura do conservadorismo é uma maneira de atingir indiretamente a candidatura de todos os candidatos conservadores e, sobretudo, a do candidato que vem liderando as pesquisas.

Ora, é bastante compreensível que as emissoras de TV tentem, desse modo, prejudicar a candidatura de alguém que já ameaçou ao menos uma delas com cortes de verbas. Faz parte do jogo político. Afinal, se elas convidam o Cabo Daciolo e este, em sua ingenuidade, lhes presta de graça esse serviço, tudo dentro da lei, qual o problema?

Muito mais do que qualquer presença, no entanto, é a ausência de convites a um dos candidatos em particular que revela as motivações mais profundas das emissoras de TV brasileiras. Senão vejamos: por que uma emissora de TV alienaria os milhões de eleitores de João Amoêdo, candidato do partido Novo? Gostemos ou não de suas propostas, Amoêdo é um candidato sério de um partido sério; não mereceria ele, em nome da democracia e do debate de idéias, ser convidado?

Afinal, o que explica a ausência de Amoêdo em todos os debates? É bastante simples: boa parte da renda das emissoras de televisão - uma renda segura, constante, praticamente imune aos sobressaltos do Mercado - vem da publicidade paga por empresas estatais. Assim, no Brasil, essa é a voz a ser calada: a dos liberais. Eles não estão propondo um simples corte de verbas que poderia ser revertido no governo seguinte; eles estão se propondo a secar uma das principais fontes da corrupção e do capitalismo de compadrio. Não é por acaso que estamos encarando uma eleição totalmente polarizada entre os conservadores e a esquerda. São todos adoradores do "mais frio de todos os monstros".

Existe simetria entre os dois casos? A meu ver, não. Dar voz a um candidato para explorar sua ingenuidade faz parte do jogo democrático. Manter na sombra uma candidatura relevante (nem que seja pelo seu número de apoiadores) é outra coisa.


Apenas os bergsonianos entenderão, mas paciência: boas idéias duram. Já a vocação de circos, infelizmente, é pegar fogo; muitas vezes com os espectadores dentro. Se as emissoras de TV achavam que seria possível ocultar as reais motivações que as levam a transformar os debates em espetáculos circenses, este pequenino e despretensioso artigo acaba de estragar-lhes o segredo.

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