7.4.11

O massacre de Realengo

Nem é preciso ligar a televisão para saber o que dirão sobre Wellington  Menezes de Oliveira, o rapaz que assassinou pelo menos doze crianças na Escola Municipal Tasso da Silveira, em Realengo.

Dirão que é um "louco", um "alucinado", um "psicopata" e coisas de semelhante jaez. Só que há miríades de loucos por aí e nenhum deles (até aqui) havia praticado uma barbaridade dessas numa escola brasileira.

Já se sabe que o rapaz foi influenciado por idéias do fundamentalismo islâmico. Os muçulmanos se apressaram a negar qualquer vínculo entre Wellington e sua religião. Do mesmo modo, o rapaz menciona Jesus em seu bilhete de suicídio, porém nada indica que fosse filiado a alguma igreja cristã. Mas se nada autoriza que se busque uma explicação para o massacre na filiação formal do rapaz a esta ou aquela religião organizada, é impossível ignorar que, segundo os indícios que já surgiram, idéias de fundo religioso estavam no centro das preocupações de Wellington. E para ser inteiramente justo, é preciso dizer que uma dessas idéias, talvez a mais decisiva, provém de uma herança comum ao judaísmo, ao cristianismo e ao islamismo: a idéia de pureza.

"Primeiramente deverão saber que os impuros não poderão me tocar sem usar luvas, somente os castos ou os que perderam suas castidades após o casamento e não se envolveram em adultério poderão me tocar sem usar luvas, ou seja, nenhum fornicador ou adúltero poderá ter contato comigo, nem nada que seja impuro poderá tocar em meu sangue, nenhum impuro pode ter contato direto com um virgem sem sua permissão (...)"

Assim começa a carta de suicídio que Wellington trazia consigo. Nela, a idéia de pureza se apresenta com muita força e com muita minúcia. Eu não diria que a idéia de pureza basta para explicar o massacre de Realengo, mas é evidente que ela terá de ocupar, em qualquer explicação, um lugar central. Parece-me claro que a idéia de pureza era o centro de gravidade da vida desse rapaz e que sem essa referência não poderemos explicar, ou ao menos nos aproximar de uma explicação para o lamentável massacre ocorrido hoje.

Wellington não era um marginal. Ele não tinha antecedentes criminais e, ao que tudo indica, sua vida se resumia ao trabalho e à navegação na Internet. Filho adotivo, ele era tímido, arredio, de poucas palavras. Ele não atirou a esmo; ao contrário, ele escolheu seus alvos, e suas vítimas preferenciais foram as meninas; e entre as meninas, Wellington escolheu precisamente as mais velhas. A maioria delas tinha treze e quatorze anos, precisamente a idade em que as meninas começam a se tornar sexualmente atraentes.

É certo que há um componente de vingança no massacre de Realengo. Muito se irá especular sobre as ofensas - reais ou imaginárias - de que Wellington pode ter sido vítima durante os cinco anos em que estudou na Escola Tasso da Silveira. Mas se fará de tudo para escamotear esta triste verdade: Wellington acreditava estar cumprindo uma missão purificadora.

"Preciso da visita de um fiel seguidor de Deus em minha sepultura pelo menos uma vez, preciso que ele ore diante de minha sepultura pedindo o perdão de Deus pelo o que eu fiz rogando para que em sua vinda Jesus me desperte do sono da morte para a vida eterna."

O grifo é meu. A passagem é contraditória: o mesmo tempo em que Wellington reconhece que seus atos serão condenáveis, ele ainda tem esperança de conquistar um lugar entre os eleitos, na Jerusalém Celeste, depois do Apocalipse. Um simples assassino, e ainda mais um assassino em massa, dificilmente nutriria tal esperança. Mas Wellington parece estar convencido - embora não inteiramente, o que o diferencia de um fanático religioso autêntico - de que, no fundo, está fazendo a coisa certa.


Vou deixar para depois algumas considerações gerais sobre cultura e religião. Por ora, indico como leitura altamente recomendada neste momento de perplexidade o texto a pureza e a inocência, de Michel Tournier.

4 Comentários:

Blogger Fy disse...

Que bom te ver de volta!

Há algum tempo atrás publiquei a pureza e a inocência, entre outros posts de sua autoria e traduções feitas por vc.

Desta vez, peço tua permissão... pq acho que te encontrei por aqui.

Volto pra saber.

beijo
Fy

http://windmillsbyfy.wordpress.com/

8 de abril de 2011 às 22:25  
Blogger Francisco Fuchs disse...

Obrigado!

Pois é, o massacre do dia 7 mexeu com todos os brasileiros, e embora - por via de regra - eu me mantenha rigorosamente à parte dos "fatos" e "atualidades", também fui afetado. Afetado pelo acontecimento, como todos, e por saber que perderemos mais esta (funesta) oportunidade para discutir "aquilo que realmente importa". Enfim.

Quem sabe eu não me animo a escrever um pouco mais aqui, embora esteja tão ocupado com outros projetos.

Pode republicar à vontade o que quiser!

Os moinhos de vento já foram para os favoritos.

Beijos,
Francisco

9 de abril de 2011 às 01:02  
Blogger Caio disse...

Olá Francisco, passei pelo blog da Fy, e encontrei seu blog. Bom dar uma passeada por aqui... Abrs!

11 de abril de 2011 às 10:21  
Blogger Francisco Fuchs disse...

Olá Caio, seja bem-vindo!

Em breve vou retribuir a visita.

Abraços!

11 de abril de 2011 às 16:05  

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