14.3.10

sem embargo

Por meio de um acordo com a Editora Aster, de Lisboa, a Editora Martins Fontes publicou no Brasil, em 1979, o livro Paideia, a formação do homem grego, de Werner Jaeger. A tradução é de Artur M. Parreira e, ao que parece, foi publicada originalmente em 1969. A (bela) edição brasileira de 1979 foi impressa em Portugal e ostenta a grafia portuguesa. Não consultei a segunda edição, mas a terceira, de 1995, assinala que o livro passou por uma "adaptação do texto para a edição brasileira".

Pois bem. Recentemente descobri que essa tradução não foi realizada a partir do original alemão, mas a partir da tradução espanhola do filósofo Joaquín Xirau, publicada pela primeira vez em 1942. A semelhança entre os textos é flagrante, e creio que a citação de um único trecho basta para demonstrar sua filiação:

Tradução de Joaquín Xirau, Fondo de Cultura Económica, 1957 (1942), p. 268

"El fin de la educación sofista, la formación del espíritu, encierra una extraordinária multiplicidad de procedimientos y métodos. Sin embargo, podemos tratar esta diversidad desde el punto unitario de la formación del espíritu. Basta para ello representarse el concepto del espíritu en la multiplicidad de sus posibles aspectos."

Tradução de Artur M. Parreira, Martins Fontes, 1979, p. 317

"O objetivo da educação sofista, a formação do espírito, encerra uma extraordinária multiplicidade de processos e de métodos. Sem embargo, podemos encarar esta diversidade pelo ponto de vista unitário da formação do espírito. Basta para tanto que nos figuremos o conceito de espírito na multiplicidade dos seus aspectos possíveis."

Os grifos são meus. Creio que o argumento é suficientemente conclusivo: como alguém chegaria a escrever "sem embargo" em português a partir de um original alemão? A locução até existe na nossa língua, mas seria a última opção de qualquer tradutor. Tanto é assim que a revisada terceira edição brasileira (Martins Fontes, 1995, p. 342) traz, em seu lugar, a locução "no entanto".

Não tive acesso a nenhum exemplar publicado pela Aster em Portugal. Tudo que posso afirmar é que a tradução espanhola de Xirau não é mencionada em nenhuma das duas edições brasileiras consultadas. O título da edição original alemã consta em ambas.
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