27.1.15

Je suis? Je ne suis pas? (parte III)

Eu só posso ofender-me caso reconheça, no ofensor, alguma qualidade (algum valor) que o habilite a ofender-me.

Um asno não pode ofender-me.

Determinados homens também não podem ofender-me. 

Por definição, animais irracionais são incapazes de ofender.

Para que haja ofensa, é preciso que o ofendido reconheça no outro (no mínimo) alguma humanidade.

Um homem seguro de seu valor não se ofende com facilidade.

Há algo de muito estranho acontecendo quando alguém se ofende (assim reconhecendo, no outro, humanidade e valor) e em seguida mata seu ofensor (negando-lhe ou suprimindo essa mesma humanidade e valor que havia reconhecido anteriormente).

Um tapa não é um tiro de fuzil.


Não estou com paciência para escrever sobre esse tema. Espero que estas anotações sejam de alguma utilidade.


20.1.15

Je suis? Je ne suis pas? (parte II)


"Os representantes de cada uma dessas opiniões afirmam dos adeptos das outras que êles de modo algum são filósofos. É divertido ouvir com que absoluta certeza são pronunciados tais juízos. Os positivistas lógicos, por exemplo, costumam estigmatizar como metafísicos todos os filósofos que não pensam como êles. Ora, metafísica é para êles pura tolice, no sentido mais cru da palavra; um metafísico profere sons e nada diz. Assim também os kantianos: são metafísicos para êles todos os que pensam de modo diferente de Kant; mas isso não significa que digam asneiras, mas que estão simplesmente superados, pois são anti-filosóficos. Sôbre o soberano desprêzo com que os filósofos existencialistas tratam todos os outros, não é preciso falar, pois é de todos conhecido."
BOCHENSKI, J. M. Diretrizes do pensamento filosófico. Tradução de Alfred Simon. 
São Paulo: Ed. Herder, 3ª edição, 1967, pp. 27-28. A ortografia original foi mantida.


Imagine que você é um filósofo. Ora bem, você sabe que não é nenhum Platão ou Spinoza, mas tem lá suas razões para crer que você é um filósofo. De repente alguém lhe diz que você não é filósofo coisa nenhuma; que, na melhor das hipóteses, você está superado, e que, na pior das hipóteses, você é um asno que não sabe o que zurra.

E agora? Você tem o direito de se sentir ofendido? Mas... o que significa ofender-se?

E o que você fará caso sinta-se ofendido? O que você teria o direito de fazer?

A terceira postagem desta série será dedicada ao tema da ofensa. É possível que os filósofos, que tanto se ofendem (mas que nem por isso fuzilam uns aos outros), tenham algo a ensinar sobre ele.


Je suis? Je ne suis pas?

Sonhei com o papa Francisco. Estávamos num restaurante em Montevidéu, em mesas separadas, muito compridas, dispostas perpendicularmente uma à outra. Mas estávamos próximos um do outro, próximos o suficiente para iniciarmos uma conversa sem que fosse preciso elevar a voz. Chamei-o de 'professor' e, dando-me conta imediatamente da gafe, ou senão do inusitado do tratamento, expliquei-lhe que chamava de professor todos aqueles que poderiam me ensinar alguma coisa. Era mentira: afinal, em tal hipótese, eu teria de chamar qualquer um de 'professor'; mas era uma mentira branca como as vestes papais, e quase tão imaculada quanto elas. Perguntei-lhe, então, o que pensava da mais recente querela sobre a liberdade de expressão, ocasionada pela chacina na sede do Charlie Hebdo. Francisco respondeu-me pausadamente, mas nada do que ele dizia fazia sentido para mim. Surgiu, então, uma moça de seus vinte e tantos anos dizendo-me que meu ônibus estava para sair, e eu a segui, encerrando unilateralmente a conversa com o sumo pontífice sem sequer despedir-me. Ela levou-me a uma rodoviária fantástica onde havia ônibus para todas as partes do mundo; havia, por exemplo, um guichê que vendia passagens para a Itália. Inclinei-me para beijar o rosto da jovem em agradecimento, mas ela deu-me um beijo na boca e eu parti em busca de meu ônibus.

É um sonho típico, penso eu. Lá está você, em outro país, tendo uma conversa respeitável, ainda que informal, com um dos grandes líderes religiosos da humanidade; segundos depois, você foi lamentavelmente grosseiro com um papa que não disse coisa com coisa, beijou uma desconhecida e já está se preparando para atravessar o oceano a bordo de um busão.

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