21.6.19

VAR de condão

1. Instrumento audiovisual, operado por magos com poderes ilimitados, capaz de transformar praticamente qualquer coisa em outra inteiramente diferente. De "VAR", acrônimo de Vamos Arranjar o Resultado, e "condão".
Ex.: Mestre Júnior disse ontem que o VAR de condão operou a seleção japonesa.

Piores momentos (ainda o futebol)

O Japão foi convidado, juntamente com o Catar, para participar da Copa América.

Mas foi convidado apenas como coadjuvante, e perder para o Japão não faz parte do script. Assim, se o time latino-americano estiver perdendo, será preciso que o VAR entre em ação. Não é preciso esperar muito; qualquer coisa serve. Você chutou o pé do adversário? Perfeito! Marcaremos pênalti a seu favor. Depois, quando chegar a vez de marcar um pênalti contra o time da casa, bastará deixar o jogo correr.

O jogo de ontem, Uruguai 2 x 2 Japão, foi exemplar, pois expôs o modus operandi do VAR. Por exemplo, se for preciso marcar um pênalti, serão seguidos os seguintes passos:

1. O VAR obriga o juiz do jogo a rever o lance.

2. Se houver um ângulo de filmagem favorável à interpretação desejada, ele será (2.1) mostrado no fim da análise e (2.2) repetido à exaustão. Assim, por mais absurdo que seja o lance, o juiz de campo saberá que existe ao menos um ângulo de filmagem (no caso do jogo de ontem, precisamente aquele em que não se percebe o que realmente aconteceu) para sustentar sua decisão, isto é, a decisão do VAR.

No mais, nos lances que beneficiariam o outro lado, basta fingir que não aconteceram. Ou anulá-los, caso o árbitro tenha sido inocente o bastante para marcá-los. Tudo é possível para quem tem o VAR (esse brinquedinho inebriante!) nas mãos.

A propósito, não vi o jogo. Fui alertado sobre mais um VAR em ação e vi um compacto de 5 minutos com os... melhores momentos?


16.6.19

Meu último jogo de futebol

Os donos do futebol estão confiantes no produto que têm em mãos. O futebol movimenta uma fortuna, dos ingressos à venda de jogadores, dos direitos de imagem às bolsas de apostas.

Como eu disse quando da introdução do VAR na Copa de 2018, a manipulação de resultados, sobretudo em jogos internacionais, ganhou um novo patamar: uma espécie de última instância praticamente anônima, pois os árbitros de vídeo jamais dão as caras, dentro de campo e mesmo fora dele.

O jogo Austrália 3 x 2 Brasil (realizado em 13 de junho) foi exemplar. O terceiro gol australiano, corretamente anulado pela árbitra, foi validado por insistência do VAR. A jogadora australiana impedida era a única jogadora adversária na área do Brasil, subiu para disputar a bola com as duas zagueiras brasileiras, e mesmo assim os árbitros do VAR conseguiram convencer a árbitra do jogo que a australiana não havia "participado do lance".

Depois os árbitros do VAR decidiram ignorar um pênalti claro a favor do Brasil, e desta vez sequer convocaram a árbitra de campo para rever a jogada. Os meios de comunicação que consultei não fazem nenhuma referência ao lance. É como se jamais houvesse existido.

Não estou dizendo que o Brasil merecia vencer o jogo, até porque não merecia. Eu ficaria contente com um empate, e não lamentaria uma derrota digna. Mas o que testemunhei me fez tomar uma decisão radical: nunca mais irei perder meu tempo com futebol. A não ser, quem sabe, jogando: desde que não haja VAR, é claro.

A declaração de Cristiane (que não fez nenhuma referência à arbitragem) na entrevista após o jogo foi profissional e exemplar. O segundo gol do Brasil foi um dos mais belos que já vi. Você viu? Tamires deu uma caneta na adversária e um passe em profundidade para Debinha, que fez um cruzamento preciso para Cristiane, que cabeceou com consciência no cantinho do gol. São momentos como esse que fazem a coisa toda valer a pena.

O problema é que, no meu caso, o desconforto ético já superou (em muito) o prazer estético. Em duas horas dá para fazer muita coisa produtiva: ler, escrever, conversar, assistir a um bom filme e todos os eteceteras do mundo. Talvez você ainda tenha muito tempo pela frente, mas meu estoque de horas está se esgotando e eu resolvi não perder mais tempo assistindo a espetáculos que me trazem mais tristeza do que alegria. Conseguirei cumprir minha determinação? Veremos. Já passei no primeiro teste: troquei a estréia do Brasil na Copa América por dois episódios da extraordinária série Chernobyl. Você viu?


8.6.19

Baranek Wielkanocny

Há exatos 25 anos, comecei a escrever contos e a fazer experiências (algo semelhante à música) em teclados eletrônicos. Não sendo escritor e muito menos músico, pesavam sobre mim todas as deficiências formais de quem não domina sua arte; mas eu punha naquelas experimentações, obviamente, toda a minha alma. Elas tinham como pano de fundo uma decisão metodológica que não ousei revelar ao meu orientador, e sequer a mim mesmo. É que eu iria abordar o tema da criação artística em Bergson (é o terceiro capítulo de minha dissertação), e inconscientemente percebi que não estaria sendo suficientemente honesto ao abordar um tema a respeito do qual meu conhecimento se resumia a umas tantas teorias estéticas. Eu queria, tanto quanto possível, enxergar de dentro o tema a respeito do qual iria dissertar, e para isso eu tinha de fazer da criação não apenas um problema teórico, mas também prático.

Hoje, 25 anos depois, minha amiga Júlia Moura Lopes publicou o oitavo número da Revista Athena, e nela um pequeno conto que escrevi há pouco mais de um mês. Está tão fresco que já revisei uma ou duas palavrinhas, mas nada além disso, em relação à versão ora publicada.

O conto chama-se Baranek Wielkanocny e tem ao menos uma virtude: é bem curto.


5.6.19

detalhes tão pequenos de nós bois

Ontem o Flamengo (clube de maior torcida do Brasil) venceu o Corinthians (segunda maior torcida do Brasil) em pleno Maracanã (estádio que já foi o maior do mundo, que foi palco do milésimo gol de Pelé e que sediou duas finais de Copa do Mundo). Não era um mero amistoso; valia vaga num campeonato de âmbito nacional (Copa do Brasil). E a vitória do mais querido foi decretada por um gol, um único gol (de Rodrigo Caio) que decidiu o jogo e selou a classificação dos cariocas.

O problema é que esse único e decisivo gol não foi marcado "de cabeça", tal como foi noticiado (em mais de uma matéria) no jornal O Globo.

Há alguma lição a tirar de um fato (aparentemente) tão sem importância?

Engana-se quem pensa que o futebol é o esporte mais popular no Brasil. Nosso esporte-mor, paixão e mania de nosso povo, é a fofoca. Somos realmente bons em contar aquilo que não vimos e falar daquilo que só conhecemos por ouvir dizer. Um pequeno passo adiante, não mais, e já estamos a noticiar o que nunca soubemos e a escrever sobre o que jamais estudamos.

O brasileiro já não se define por um simples jeitinho. Ele é... criativo.


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