15.5.15

recapitulando

Hoje, dia de luto na música, acabei fazendo uma recapitulação de minha produção acadêmica.

Em primeiro lugar, digitalizei o artigo O lance de dados e a superação do niilismo a partir da revista de filosofia onde ele foi publicado. Se eu fosse bom de marketing, teria feito isso há muito mais tempo; embora estejamos em plena era digital, a página impressa ainda carrega, para nós, aquela aura de solenidade (e legitimidade) que falta ao simples documento do Word.

Seja como for, o fac-símile do impresso, no caso de um artigo acadêmico, recoloca o texto em seu contexto, algo que não ocorre necessariamente quando se digitaliza um livro (que nem sempre passa por uma comissão editorial). Assim, aí está a "nova" versão do artigo: para quem gosta de fetiches, para quem quer "a coisa mesma", para quem é fã do "quem é quem", para quem quer citar o artigo comme il faut e, claro, para quem quer porque quer.


Aproveitei para ler novamente o lance de dados, o único artigo que publiquei na academia, e devo confessar que ele, apesar de alguns defeitos que eu teria prazer em corrigir caso fosse republicá-lo, continua "de pé".

O mesmo pode ser dito de minha dissertação de mestrado: A noção de virtualidade em Bergson. Aproveitei para fazer uma reedição do arquivo digital, agora sem as estúpidas restrições contra cópia de texto que eu havia introduzido no PDF original.

Por fim,  vale mencionar que estou inscrito como "pesquisador independente" no sítio academia.edu, onde os dois trabalhos acima também podem ser encontrados.

10.5.15

A Folha que se estabacou


O artigo FHC e a maconha, publicado há uns dez dias na Folha de São Paulo, é um exemplo cristalino do que não se deve fazer ao abordar um determinado tema. Uma espécie de "aula ao contrário".

A estrutura do artigo é extremamente simples. A tese a ser combatida é esta:
Os defensores da liberação da maconha no Brasil costumam argumentar que a política de guerra às drogas fracassou – pois não reduziu a produção nem o consumo – e que a medida é necessária para esvaziar o crime organizado.
Trata-se, portanto, de um artigo contra a legalização da maconha, ou melhor, contra um determinado argumento que costuma ser apresentado a favor da referida legalização. Assim, vejamos com que argumentos o colunista da Folha tenta rebater a tese mencionada acima.
A legalização da venda da maconha não seria um grande problema para o crime organizado, que continuaria a existir da mesma forma, negociando todo tipo de droga. Não precisaria abdicar nem mesmo da maconha. Teria apenas de trocar o verbo "traficar" pelo não menos violento "contrabandear".
Há um núcleo de verdade incontestável no parágrafo acima: com efeito, mesmo com a legalização da maconha, o crime organizado (1) continuaria a existir e (2) continuaria negociando todo tipo de droga.

Quanto a saber se "a legalização da maconha não seria um grande problema para o crime organizado", seria necessário perguntar ao colunista da Folha se ele possui dados atualizados sobre a contabilidade do crime e sobre a participação relativa da venda da maconha na totalidade dos lucros auferidos pelo crime organizado com a venda de drogas. Afinal, caso a maconha se revele uma droga popular e bastante consumida, com grande participação nos lucros do crime organizado, essa afirmação rapidamente cairia por terra.

E mais: o crime organizado não sofreria apenas as perdas relativas à maconha que passasse a ser consumida legalmente. Também o consumo ocasional de outras drogas (mais pesadas) seria prejudicado na medida em que o "viciado", ao deixar de entrar na comunidade para buscar sua maconha, ficaria menos exposto à oferta de drogas pesadas.

Entretanto, alerta o colunista, não haveria motivos para comemorar. Segundo ele, a maconha, ao ser legalizada, simplesmente passaria da esfera do tráfico para a 'não menos violenta' esfera do contrabando. O crime organizado continuaria competindo com o Estado (ou com a iniciativa privada) para oferecer seu próprio produto, agora legalizado...
Exatamente como ocorre atualmente com o tabaco. Anualmente, cerca de 33 bilhões de cigarros, ou um a cada três fumados no Brasil, são ilegais, trazidos essencialmente do Paraguai por quadrilhas internacionais que, obviamente, não pagam imposto nem respeitam as normas do Ministério da Saúde.
Aqui, justamente quando nosso colunista da Folha acreditou estar enterrando de uma vez por todas o argumento de FHC a favor da legalização, ele estava é sepultando definitivamente seu próprio argumento sob incontáveis palmos de terra. E por uma razão tão simples que, muito provavelmente, apenas a mais renitente recusa em refletir sobre o que ele mesmo estava falando impediu o nobre articulista de arrepiar caminho antes de publicar bobagem tão evidente.

Sou da "cidade grande" e não conheço ninguém que plante tabaco em casa para consumo próprio. Eu mesmo, que durante mais de dez anos fumei cigarro de palha (fumo de rolo), jamais teria cogitado (mesmo que eu tivesse alguma terra) em plantar meu próprio tabaco. Quem conhece o processo de produção dos rolos de fumo sabe que não se trata de coisa trivial.

Também jamais plantei maconha, mas pelo que estou informado, é coisa bem fácil que se pode fazer até mesmo dentro de um apartamento. Um dos primeiros efeitos, portanto, da legalização da maconha, seria o plantio da erva dentro das casas e apartamentos dos usuários. Assim, apenas os preguiçosos comprariam sua maconha em farmácias e, se você me permitem, apenas os mais estúpidos continuariam comprando-a de traficantes.
A liberação da maconha, além de não enfraquecer o crime organizado, como crê FHC, lhe traria, na verdade, um estímulo. O mercado consumidor potencial passaria a ser bem maior que o atual.
A primeira frase, como vimos, está totalmente incorreta. A legalização da maconha enfraqueceria, sim, o crime organizado. Em que medida ela o faria, é difícil saber; mas enfraqueceria, e sem sombra de dúvida, e num grau bastante considerável. Quanto à afirmação final, a de que "o mercado consumidor potencial passaria a ser bem maior que o atual", podemos qualificá-la mais como um exercício de chutometria do que como uma afirmação baseada em estimativas precisas. Sim, é até possível que, num primeiro momento, o consumo aumentasse pela curiosidade de uns poucos. Mas eu aposto exatamente no contrário: ao perder a erva sua aura fora-da-lei, muitos adolescentes, jovens e até mesmo adultos perderiam progressivamente seu interesse pela maconha. Deixando de ser proibido, deixaria de ser gostoso. É medíocre, mas é assim que funciona.


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1.5.15

Proposta de alteração na lei de direitos autorais

O filósofo alemão Hans-Georg Gadamer nasceu em 11 de fevereiro de 1900, ou seja, no último ano do século XIX, e faleceu em 13 de março de 2002, ou seja, já em pleno século XXI. Levando-se em conta o prazo legal de proteção dos direitos autorais vigente na maior parte do mundo (que vence 70 anos após a morte do autor), as obras de Gadamer só cairão sob domínio público no ano de 2074.

Quando Gadamer veio ao mundo, minha mãe e meu pai ainda não haviam nascido. E eu, a não ser que viva ainda mais do que o próprio Gadamer, já terei morrido quando sua obra entrar em domínio público.

A coisa toda é simplesmente prodigiosa. Hoje a lei brasileira diz o seguinte:

Art. 43. Os direitos patrimoniais do autor perduram por setenta anos contados de 1° de janeiro do ano subseqüente ao de seu falecimento, obedecida a ordem sucessória da lei civil.

A mudança que eu proponho é relativamente simples: os direitos autorais passam a perdurar por 120 anos a partir da data de nascimento do autor

Na prática, isso equivale a introduzir uma espécie de "fator previdenciário" nos direitos autorais. Caso um autor morra aos 50 anos de idade, não mudará absolutamente nada em relação à lei antiga (120 - 50 = 70). Caso ele morra ainda mais jovem, a nova lei estenderá o período durante o qual seus familiares poderão se beneficiar com os rendimentos de sua obra (por exemplo, 120 - 45 = 75). No entanto, caso o autor morra depois dos 50 anos, a nova lei beneficiará o domínio público em detrimento dos familiares e/ou herdeiros legais do autor; assim a obra de um autor que morresse aos 80 anos permaneceria protegida por mais 40 anos.

Esta proposta me parece mais justa do que uma simples redução linear do prazo atual de 70 anos. Ela ampara plenamente as famílias daqueles autores que morrem jovens sem penalizar demasiadamente as famílias dos autores mais longevos. Por outro lado, levando-se em conta que a tendência da longevidade média é aumentar, essa proposta constitui um avanço bastante razoável em relação aos interesses da Cultura (domínio público).
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