27.1.13

tragédia de erros


Pelo que pude apurar até agora sobre a tragédia na boate Kiss, em Santa Maria (RS), mais de 200 jovens morreram em virtude de uma sucessão de erros grosseiros:

1. O material usado para isolamento acústico era inflamável e gerava fumaça tóxica. É evidente que o uso desse tipo de material deveria ser proibido.

2. Nenhum responsável pelo evento tentou impedir o uso dos sinalizadores. Os garotos de uma banda podem ser porras-loucas à vontade; os organizadores de um evento, não.

3. Os seguranças da boate, que a princípio barraram as pessoas na porta por causa do pagamento das comandas, não sabiam do incêndio. Deveria haver um sistema de comunicação (em tempo real) entre eles e os demais responsáveis pelo evento.

4. A boate só tinha uma saída e - pelo visto - era muito mal ventilado. Lugares assim deveriam ser considerados inapropriados para casas de espetáculos com lotação acima de um determinado limite.


É possível simpatizar com aqueles que colocam a própria vida em risco, mas não com aqueles que colocam a vida alheia em risco.

3.1.13

A cultura e a morte (A1-2013)

Para muitos, a televisão é um espelho de seu "mundo próprio", como se diz na linguagem da etologia. As obras de ficção refletem seus sentimentos, os telejornais refletem os limites de sua sede de conhecimento, os anúncios refletem seus desejos de consumo. É claro que, em todos esses casos, a programação não apenas reflete ou reforça, mas ajuda a produzir esses mesmos desejos e sentimentos; mas não é sobre isso que eu quero falar.

O que seria a televisão para alguém que vive afastado, ou ao menos tão afastado quanto possível, da "realidade dominante"? Seria algo como uma expedição antropológica: a oportunidade de observar (sem ser forçado a propriamente entrar em contato) um povo que vivesse nos antípodas, ou, no limite, uma espécie inteiramente diferente.

No domingo passado tive uma dessas experiências. Num programa apresentado pela Regina Casé, conheci o "funk ostentação", de origem paulistana. Pelo que pude apurar, os vídeos dessa turma, que fala basicamente em consumo e ostentação, são visualizados aos milhões no YouTube.

Regina Casé é uma mulher inteligente, e foi interessante observar seu esforço para, sem entrar em confronto direto com os funkeiros da ostentação, dar-lhes um "toque". Ela disse que o desejo de ter um carrão do ano não impede que lutemos pela melhoria do transporte público. Tímida e bem intencionada tentativa de valorizar uma temática de interesse coletivo numa comunidade inteiramente pautada pelo individualismo.

Tudo isso toca num ponto que me é muito caro. Por um lado, é claro que o desprezo e a hostilidade (comuns a tantos intelectuais) nunca conduzirão a lugar algum. Antes de mais nada, é preciso acolher o outro como ele é, ainda que ele seja de outra aldeia, ou mesmo de outra espécie. A esse respeito, Regina sabe tudo. Por outro lado, no entanto, aceitar ou acolher as diferenças não significa abrir mão da afirmação de um ponto de vista diverso que confronte o ponto de vista do outro.

Notem - já que o tema anda em voga - que eu não estou me referindo, por exemplo, a coisas como sexualidade. Aqui não há "confrontação" possível, e assim como eu me reservo o direito de tratar como estúpido qualquer um que menospreze minha heterossexualidade, os homossexuais têm o direito de fazer o mesmo com aqueles que os criticam. Gostar de figos, de bananas ou de ambos não é tema para uma discussão séria. Gosta-se, saboreia-se e assunto encerrado. E já que me senti forçado a fazer essa ressalva, não custa acrescentar que qualquer discussão sobre etnia ou cor da pele consegue - e isso não é fácil - ser ainda mais ridícula do que a anterior.

Assim, quando eu digo que "aceitar ou acolher as diferenças não significa abrir mão da afirmação de um ponto de vista diverso que confronte o ponto de vista do outro", estou falando de algo bem específico: de maneiras de sentir e de pensar, e de modos de vida.

O que eu teria a dizer à turma do funk da ostentação? Apenas isto: que a vida deles é pautada, do início ao fim, pelo olhar do outro, e pior, pelo olhar de um outro que é igualmente pautado pelo olhar do outro. Seu desejo é possuir algo que o outro valoriza para que possam atribuir a si mesmos o valor que o outro dá ao que eles possuem.

E podemos realmente recriminá-los? Digo, estarão eles inventando alguma coisa? É claro que não; escravos numa sociedade de escravos, eles apenas imitam o comportamento da imensa maioria dos seres humanos que vivem em sociedades capitalistas. Desejar dinheiro e carros de luxo (para ser, por sua vez, desejado) é simplesmente o grau mais rasteiro da vida pautada pelo olhar do outro. Há quem deseje outras coisas, mas exatamente pelos mesmos motivos. Assim, não há uma diferença de natureza, mas apenas uma diferença de grau, entre o funkeiro ostentatório e o professor universitário que deseja ver seu saber reconhecido, seja pelos seus alunos, seja pelos seus pares. Não é por acaso que um filósofo viu nesse desejo do desejo do outro a própria humanidade dos seres humanos.

Isso tem cura? Certamente que sim. E essa cura nem mesmo passa pela recriminação do "consumismo" (ou pela recriminação da "erudição", conforme o exemplo do professor universitário), mas pela compreensão daquilo que pode efetivamente transmutar escravos em homens livres. A filosofia jamais teve outro sonho, e cabe a cada filósofo inventar uma maneira diferente de abordar esse problema.
CULTURA

2.1.13

A poltrona sentada (The sitting armchair)

A poltrona sentada

A poltrona sentada
 The sitting armchair

by F.T.Fuchs
Instalação (2012)
Installation art (2012)
Niterói - New York - Milano

Odeon

Você conhece Zappa, Hume e... Bruna? Claro que sim.

Mas espere um pouco... Não estou falando dos geniais David Hume e Frank Zappa, nem da famosa surfista de colchão. Refiro-me aos músicos Francesco Zappa (século XVIII), Tobias Hume (nascido no século XVI) e Pablo Bruna (século XVII). Não conhecia? Nem eu. E essas são apenas algumas das curiosidades que podemos encontrar no blogue de um músico português.

Quando meu recluso amigo Mário Zambonin enviou-me essa dica, confesso que não fiquei muito animado. Mais um blogue de música erudita entre centenas... E daí?

Minhas reservas desapareceram, no entanto, quando fiz minhas primeiras visitas. O blogue é bem organizado e permite baixar mais de dois mil álbuns de música erudita; sua atividade é incessante - todos os dias são postados mais cinco ou seis álbuns - e seu autor cuida do espaço como de um jardim, sempre repondo, a pedidos, os arquivos que porventura desapareçam dos servidores. Porém o que mais me chamou a atenção é que as cópias digitais lossless (codificadas em FLAC) são, em sua imensa maioria (algo em torno de 90%), realizadas de acordo com os mais rigorosos padrões do programa EAC. Ou seja, são cópias para Platão nenhum botar defeito.

Quanto aos títulos, é possível encontrar, além dos medalhões de sempre (em diversas interpretações diferentes), inúmeros autores pouco conhecidos. É pena que, entre os autores brasileiros, esteja presente apenas o indefectível Villa-Lobos, e em escassa quantidade; além disso, como o perfil do blogue é um tanto conservador, será impossível achar, por exemplo, algo de Stockhausen, Boulez, Xenakis ou Ligeti (em compensação, acha-se uma ou outra coisa de Penderecki.) Seja como for, há nele tesouros suficientes para atrair até mesmo gente como eu, que não tenho a menor paciência para baixar coisas da Web.

O blogue Odeon pode ser acessado por este atalho e também por este.

P.S. (10.01.2013)

Já ia me esquecendo de Godard, Benjamin Godard... (1849-1895).
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