Senhoras e senhores
Senhoras e senhores, muito boa noite. Peço desculpas por roubar um pouco do seu precioso tempo enquanto vocês vão ao trabalho ou voltam para casa, enquanto se preparam para assistir a uma aula ou simplesmente divertir-se. Estou aqui não por gosto, mas por necessidade. Vejam, senhoras e senhores, eu podia estar esmolando e degradando a mim mesmo; eu podia estar vendendo balinhas de qualidade duvidosa e enchendo os ilustres passageiros de cáries e químicas obscuras. Eu podia estar nas ruas vendendo muamba sem nota fiscal ou garantia, prejudicando o bem comum e engordando o crime organizado. Eu podia estar matando uns pobres gatos magros que não pediram para nascer e vendendo churrasquinho miau como contrafilé, fazendo de mim mesmo um mentiroso (o que não convém em absoluto a um cristão batizado) e ainda pondo em risco a saúde dos fregueses. Mas não, senhoras e senhores. Ao invés disso, estou aqui me apresentando digna e respeitosamente com este Taurus 38 de fabricação nacional, em perfeito estado e devidamente carregado, para exigir – vejam bem, exigir – uma contribuição à manutenção do bem-estar da minha pessoa. Não é todo dia que se vê uma atitude tão direta, transparente, sem manhas e trapaças, até honesta eu diria, especialmente se a compararmos com a atitude desses bandidos que misturam água sanitária no leite, ou com a dos políticos que constroem castelos desviando esse mesmo leite malhado da boca das nossas criancinhas, e assim por diante, senhoras e senhores, que a coisa hoje não está nada fácil, a senhora aí na frente de olhos arregalados não precisa se preocupar, pois eu choro só de pensar em matar um gato magro e não seria capaz de ferir os senhores e as senhoras, a não ser, é claro, que vocês ousassem recusar-se a transferir seus bens de valor para a sacolinha do meu companheiro que ali vai, o anel também, minha senhora, perdeu, mané!