- E estes óculos?
- Acompanham o livro.
- Mas eles estão desmontados.
- Quem monta é o freguês.

R.I.P.

Ele queria estar seguro. Eram tantos os perigos: a violência, o desemprego, as epidemias, o descaso das mocinhas, a Bomba, os terremotos, os oceanos lambendo a terra, o trânsito, os barrancos; qualquer escorregão estúpido no banheiro podia ser seu fim.

Seguro morreu de velho, lhe haviam dito. Mas morreu, pensou ele. E ficou com aquilo na cabeça: o único lugar seguro é a morte. Melhor prevenir do que remediar. Jogou-se na linha do trem e ficou em paz.

a cultura e a morte - nova série (9)

Dizer que cultura é ação do homem sobre o homem para produzir o homem não significa que exista uma idéia prévia daquilo que se quer produzir - ou seja, do próprio homem. Nem mesmo sabemos se é de fato "o homem" que queremos produzir; afinal, talvez se trate mesmo de produzir outra coisa: o além-do-homem. Não há uma essência a realizar ou um modelo a reproduzir. Pensar a cultura não é pensar na produção de um resultado estipulado de antemão e desejado intencionalmente, mas na produção de um movimento (que se confunde com o próprio devir da cultura). Como disse Montaigne, "educar uma criança não é como encher um vaso, mas como acender uma fogueira."

Nesse sentido, o pensamento da cultura como movimento genérico de produção e autoprodução do homem é capaz de incorporar as mais sutis formas de ação, e talvez mesmo aquilo que os taoístas chamam de "ação pela não-ação", que não se confunde com a mera passividade. Por exemplo, ouvir, dar ouvidos, escutar, isso também faz parte da atividade genérica da cultura. E não deixa de ser irônico que existam hoje em dia autênticos "profissionais da escuta", já que o simples fato de termos desaprendido a escutar uns aos outros é mais um entre tantos sintomas da morte da cultura.

paul avantajado

Eu uso o eXTReMe Tracker (vide atalho no fim da página) para conhecer um pouco melhor os meus visitantes: por exemplo, de onde vieram e o que estavam pesquisando quando chegaram aqui. É divertido saber que alguém pesquisava "como se joga pinball" e acabou encontrando um texto sobre a metafísica do pinball. Mas como não compartilhar com os leitores uma pérola como a que se vê na última linha da imagem acima?

Espero que o leitor ache graça; caso contrário, gozarei de um certo consolo (ops) ao pensar que com essa bobagem meu paul ficou, deveras, um pouquinho maior.

O Jornal

Editorial - Ao invés de perder tempo diariamente com um monte de jornais e telejornais que você sabe muito bem que são tendenciosos, senão mentirosos, leia "O Jornal": o único jornal diário do planeta que você só precisa ler uma vez. Pense no tempo que vai ganhar para ler um bom livro e/ou fiscalizar as contas do seu município!

Noticiário Internacional - As nações do mundo inteiro estão engajadas numa cruzada por mais armas, mais fábricas, mais aquecimento global, mais arrogância, mais estupidez, mais fome.

Noticiário Nacional - Os políticos estão mentindo na sua cara, roubando tudo o que podem e se bobear levarão sua filha para uma demonstração de cidadania e civilidade naquelas festinhas onde todos respeitam a fila.

Página Policial - Os bandidos mataram rindo e os policiais atiraram em todas as coisas pretas que estavam se mexendo.

Caderno de Educação - "As pessoas precisam aprender apenas o necessário para entrar no Mercado de Trabalho. Pensar é um luxo perigoso", declarou o Ministro da Informação sem Pensamento.

Caderno de Cultura - Fulano disse que Sicrano é o máximo e Sicrano concordou.

Novelas - Beltrano descobriu que seu pai não é seu pai. A mãe de Beltrana também é outra.

Esportes - Um time ganhou; o outro perdeu.



[triagem, 27/06/2006]

morte feliz

O planeta tinha recursos limitados, mas aquela espécie não pensou nisso. Das árvores fizeram livros e instrumentos musicais; de outras plantas fizeram tintas, telas, cenários e figurinos; das pedras, fizeram estátuas; do metal e do óleo espesso que arrancavam da terra fizeram filmadoras, computadores e pequenas bolachas que levavam todas as coisas a todas as partes. Certo dia, tudo se esgotou; e todos morreram felizes para sempre.

moralina

Substância extremamente tóxica que enrijece os tecidos do coração e do cérebro. Fabricada abertamente em lares, escolas e templos, ainda não foi reconhecida como um problema de saúde pública. Há muitas substâncias capazes de aliviar seus sintomas, mas o único antídoto conhecido é o eticol, sintetizado por um sábio holandês em 1675.

Pequeno dicionário de venenos, 3ª edição.



[triagem, 08/01/2006]